Em busca de melhor remuneração, cafeicultores se voltam à qualidade

26 de julho de 2018 11 mins. de leitura
Produtores têm se dedicado aos grãos premium, que podem chegar ao dobro da remuneração do café commodity
Pioneirismo: quando entrou nos cafés especiais, Adolfo Henrique foi taxado de “louco” (Foto: Marina Klink)
Nos últimos anos, a vida dos cafeicultores brasileiros não anda fácil. O custo de produção aliado à quedado preço da commodity vem acarretando perdas significativas. Para driblar o cenário, muitos produtores têm se voltado à produção dos chamados cafés especiais – cafés do tipo arábica que atingem nota superior a 80 pontos, segundo critérios da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA). O motivo é a remuneração. Os grãos são vendidos por um valor, em média, 50% maior que o preço da commodity e podem alcançar cifras ainda maiores quando são finalistas de concursos de qualidade. Foi o caso do produto de Gabriel Alves Nunes, cafeicultor de Patrocínio (MG), no Cerrado Mineiro. No ano passado, ele foi o campeão do Cup of Excellence – concurso promovido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês) – na categoria Pulped Naturals, cafés cerejas descascados. Seu café foi arrematado por US$ 17,2 mil por saca de 60 quilos, o equivalente na época a R$ 55,5 mil, o maior valor já pago em um leilão. Mas o fato é que o Brasil ainda é novato na produção de cafés especiais. Até o fim da década de 80, o País era conhecido como um grande exportador de quantidade, não de qualidade. Essa história começou a mudar em 1991, quando Ernesto Illy (1925 -1988), presidente da illycaffè, desembarcou no Brasil com a missão de descobrir o que estava acontecendo com o café brasileiro. De 40 amostras que chegavam à sede da illy na Itália, apenas duas eram aprovadas. Na visita, o químico percebeu que o café tinha qualidade na lavoura, mas ela se perdia nos processos de pós-colheita. Outro problema diagnosticado foi na armazenagem: as cooperativas misturavam cafés bons com medianos e ruins. A solução encontrada foi comprar direto do produtor e pagar um preço maior que o de mercado. Para isso, o italiano contratou Aldir Teixeira – hoje diretor-geral da Experimental Agrícola, empresa que compra, classifica e exporta o café para a illy – e deu ordens expressas: “Quando dermos resultado negativo a uma amostra de café, precisamos dizer o porquê, respeitar o trabalho que o produtor fez durante o ano”. Além disso, Ernesto Illy deu a Teixeira a incumbência de criar as regras do Prêmio Ernesto Illy de Qualidade de Café para Espresso, um dos primeiros do Brasil, que já vai para 28ª edição.
O chamados cafés especiais são grãos do tipo arábica que atingem nota superior a 80 pontos, segundo critérios da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA)
Quase três décadas depois, o cenário da cafeicultura brasileira – setor que engloba quase 300 mil agricultores – se transformou.Muitos produtores começaram a focar na qualidade e isso repercutiu na melhoria da produção cafeeira como um todo. Além disso, o brasileiro está consumindo mais cafés especiais. Segundo o levantamento da Euromonitor International encomendado pela BSCA e realizado no ano passado, o consumo médio anual (volume) no País cresceu 20,6% entre 2012 e 2016. O segmento ainda é um nicho com participação de 2,8% das vendas, mas faturou R$ 1,7 bilhão no varejo em 2016 e deve movimentar R$ 3,9 bilhões até 2020. A seguir, a história de dois cafeicultores e do cuidado do plantio até a xícara para preservar a qualidade.

PIONEIRO NA PRODUÇÃO DE CAFÉS DE QUALIDADE

Terceira geração de cafeicultores de sua família, o mineiro Adolfo Henrique Vieira Ferreira está entre os pioneiros na produção de cafés especiais no Brasil e pagou o preço pela vanguarda. “Quando comecei,há vinte anos, as pessoas diziam para eu deixar de frescura, que isso não iria dar em nada”, diz. Mas, sem dar ouvidos aos críticos, o agricultor começou a voltar sua produção para cafés especiais em 1998. “A decisão foi por sobrevivência, era o único jeito de competir com os cafés de regiões mecanizadas”, explica. A Fazenda Passeio – propriedade com 230 hectares de cafezais pertencentes à família Ferreira – está localizada numa região montanhosa, situada entre 1.100 e 1.200 metros acima do nível do mar no município de Monte Belo, sul de Minas Gerais. Se por um lado a altitude contribui para o fruto amadurecer mais devagar, o que favorece a qualidade e a complexidade do café, por outro lado encarece o custo de produção.
“Se não tivesse optado pela produção de cafés especiais, hoje estaria numa situação difícil, porque os preços atuais do café commodity estão muito perto do meu custo de produção, que é elevado pelo fato de minha fazenda ser 100% manual”, diz o cafeicultor Adolfo Henrique Vieira Ferreira
A explicação está na topografia. O terreno íngreme exige que a colheita seja manual, o máximo de mecanização possível é o uso da derriçadeira, também conhecida como “mãozinha mecânica”. Utilizando o equipamento, um trabalhador colhe a quantidade de café apanhada por três pessoas manualmente. Mesmo assim, a colheita representa metade do custo total de produção. “Se não tivesse optado pela produção de cafés especiais, hoje estaria numa situação difícil, porque os preços atuais do café commodity estão muito perto do meu custo de produção, que é elevado pelo fato de minha fazenda ser 100% manual”, diz Ferreira, que tem 55 funcionários fixos na propriedade e, na época da colheita, contrata mais 100 pessoas. Nos últimos dias, a cotação da saca de 60 quilos do café commodity no indicador Cepea/Esalq-USP estava R$ 445. Mas Ferreira – por produzir um café acima de 80 pontos – consegue, em média, 50% a mais desse valor. “Nos micros e nanolotes, o preço pago pela saca é ainda melhor”, explica. No entanto, produzir cafés especiais não é tarefa fácil. Exige vigilância constante do plantio à xícara para que a qualidade do grão não se perca ao longo do processo. No caso da fazenda Passeio, isso se intensificou em 2004, quando a propriedade conseguiu a certificação Utz, programa mundial que estabelece normas para garantir a produção e o fornecimento responsável de café, bem como a rastreabilidade do produto. “A vantagem da certificação é que ela organiza a fazenda, o que facilita a gestão”, diz Ferreira. Além da Utz, hoje a propriedade tem a certificação da BSCA e o selo Certifica Minas.

TERROIR IDEAL

A Fazenda Passeio está situada num lugar privilegiado. É uma propriedade rodeada por mata nativa e com solo fértil, o que implica menor demanda por fertilizantes e agroquímicos. Além disso, por estar localizada a mais de 1.000 metros de altitude, o clima é ameno e há boa amplitude térmica entre dia e noite – condições perfeitas para os cafezais, que não se desenvolvem bem com temperaturas acima de 26 oC. O primeiro passo da produção de cafés especiais é a escolha das variedades para o plantio. No caso da família Ferreira, as mais cultivadas são Mundo Novo, Catuaí, Acaiá, Icatú e Bourbon Amarelo. Depois vem o zelo na condução da lavoura e o emprego de boas práticas agrícolas para garantir que o cafeeiro esteja bem nutrido e produza um fruto de qualidade. A etapa seguinte é a colheita, que neste caso vai do final de maio até setembro. A apanha é feita por talhão, de acordo com a variedade e com o grau de maturação do fruto. Nessa fase, os trabalhadores estendem um pano na lavoura para evitar que os grãos colhidos caiam na terra. Na sequência, o café é levado para o lavador, que separa por densidade o café boia ou café passa (aquele que amadureceu e secou no pé) dos cafés cerejas e verdes. Estes dois últimos vão para o descascador, um rolo que por pressão mecânica descasca o café cereja, que está maduro e com a casca mais mole. O passo seguinte é a secagem, que pode ser feita no terreiro convencional, no terreiro suspenso e também no secador rotativo. “Os cafés com maior potencial de qualidade vão para os terreiros suspensos, porque a secagem é mais lenta, o que favorece a qualidade”, diz Ferreira. Toda a produção de cafés especiais – que representa entre 50% e 60% do total colhido – da Fazenda Passeio vai para o exterior. Um dos principais destinos é a torrefadora italiana illy, para quem Ferreira fornece desde 1998, quando começou a produção de cafés de qualidade. Não por acaso, o cafeicultor é membro platinum do Clube illy do Café, programa de fidelização da empresa no Brasil. O empresário também tem clientes no Japão, na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda e nos EUA. “O mundo dos cafés especiais é de parcerias e, para construí-las, é preciso construir bons relacionamentos”, diz Ferreira. Cada parceiro gosta do café de uma maneira. “Os japoneses, por exemplo, são obcecados por qualidade. Compram muito café natural da variedade Bourbon Amarelo”, explica.
Marisa Contreras: “O capricho que o café de qualidade precisa é algo natural da mulher” (Foto: Marina Klink)

NOVATA DE ATITUDE

Há uma década, a família Contreras resolveu comprar a Fazenda Capoeira, uma propriedade de 144 hectares em Areado, sul de Minas Gerais. Quem ficava no dia a dia na propriedade era o argentino Gabriel, que acompanhou o plantio dos 100 hectares de café das variedades Catuaí, Mundo Novo e Rubi. Desde o início, a fazenda foi planejada para ter a melhor eficiência e o menor custo. A topografia plana e a altitude moderada, 780 metros acima do nível do mar, ajudaram neste quesito, uma vez que permitem a colheita mecanizada. Uma única máquina dá conta de toda a produção. “Para o que uma colhedora faz em uma hora, eu precisaria de 20 pessoas colhendo o dia todo na colheita manual”, diz Gabriel Contreras. Outra vantagem é o custo. “O trabalhador cobra entre R$ 12 e R$ 15 para colher uma medida de 60 litros, já o custo na colheita mecanizada é R$ 2,20”, explica o empresário. A mecanização faz com que a colheita tenha um peso menor no custo total de produção: cerca de 30%. Ao mesmo tempo, exige que a fazenda tenha maior capital de giro, porque uma máquina custa cerca de R$ 800 mil. A automação também chegou nos terreiros. O casal Contreras comprou uma moto adaptada para revolver o café no terreiro, trabalho que antes demandava várias pessoas. A nova realidade permite um quadro de funcionários enxuto. “Temos seis trabalhadores fixos e 20 temporários na safra”, diz Marisa Contreras. Nos primeiros anos, a fazenda Capoeira era voltada à produção de café commodity. A reviravolta aconteceu há seis anos, quando Marisa deixou o ramo farmacêutico para focar na produção agrícola. Foi ela que decidiu enveredar a produção para cafés especiais. “O capricho que o café de qualidade precisa é algo natural da mulher”, diz a cafeicultora, que por seu perfil de liderança recebeu o troféu de Prata do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2017 – categoria produtora rural. Ao aterrissar no mundo café, a primeira coisa que a farmacêutica fez foi buscar conhecimento. Ela ia em todas as palestras sobre o tema, fez pós-graduação em “Gestão na Cafeicultura” e foi atrás de certificações para a propriedade, que hoje tem a Utz e o Certifica Minas. Para driblar a falta de altitude da lavoura, a família se esmera na pós-colheita do grão. Inclusive, há quatro anos, a fazenda participa de experimentos da Universidade Federal de Lavras (UFLA) focados em processos para aumentar a qualidade do café. Os cuidados têm dado resultado. Hoje, 60% do café colhido na fazenda Capoeira se enquadra como especial. A qualidade abriu mercados dentro e fora do Brasil. Internamente, um dos principais clientes é o Grupo Três Corações. Mas Marisa também exporta para Japão e Argentina e, há três anos, fornece para a torrefadora italiana illy.

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