Origem que é sinônimo de qualidade

31 de agosto de 2017 9 mins. de leitura
Regiões reconhecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial ganham destaque pelo know-how na produção de um determinado produto

Os produtores brasileiros têm seguido o exemplo de Champanhe, na França, região que atrai turistas do mundo todo para conhecer o processo de produção dos vinhos brancos espumantes que levam o nome da localidade.

Este trabalho de reconhecer um espaço físico, um grupo de cidades com fama pela qualidade de determinados serviços e produtos, é feito no Brasil pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, foi uma das primeiras regiões brasileiras a conseguir o registro no órgão.

“Na época, os fundadores da associação entenderam que conseguir a Indicação Geográfica (IG) seria uma importante ferramenta para a evolução qualitativa dos vinhos, agregar valor aos produtos, tornar a região conhecida, estimular o turismo, gerar novas fontes de empregos e fixar o homem no campo”, diz Márcio Brandelli, presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), que hoje tem 60 associados.

No universo agropecuário há 36 registros de Indicação Geográfica no INPI. Elas se dividem em dois tipos. O primeiro é a Indicação de Procedência (IP) que, a partir de dados históricos, assinala que a região tem notoriedade na fabricação de determinado produto. O segundo é a Denominação de Origem (DO), chancelando que o produto produzido ali, além da notoriedade, tem características únicas em função do terroir, termo francês para designar um certo lugar com peculiaridades de solo, topografia e temperatura que criam um microclima ideal, que confere ao produto um sabor único não encontrado em outras regiões.

“As vantagens de obter reconhecimento como Indicação Geográfica estão associadas à valorização. As IGs projetam uma imagem associada à qualidade, reputação e identidade e podem conferir maior competitividade nos mercados nacional e internacional”, diz Marcelo Luiz Soares Pereira, coordenador geral de Indicações Geográficas do INPI.

Na vanguarda das Indicações Geográficas (IGs)

O Vale dos Vinhedos tem as duas. Mas o processo para conquistá-las não foi simples. A Aprovale precisou buscar apoio de universidades, Embrapa e Sebrae para reunir informações necessárias para a obtenção do registro junto ao INPI.

A IP foi concedida em 2002 e dez anos depois veio a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos (DOVV), que engloba 72 km2 e abrange três municípios: 55% do território de Bento Gonçalves, 37% da área de Garibaldi e 8% de Monte Belo do Sul. Ao todo são 1.500 hectares de parreirais, sendo 350 de uvas viníferas.

No entanto, nem todos os vinhos produzidos na região ganham o selo da DO, uma vez que as regras para receber o certificado são bastante específicas e monitoradas de perto pela Aprovale, que é a gestora da Indicação Geográfica.

“De maneira resumida, os produtos da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos são vinhos tranquilos e espumantes, ou seja, vinho fino tinto seco, vinho fino branco seco e vinho espumante fino”, diz Brandelli.

As uvas para a produção do vinho da DOVV precisam ser provenientes da região demarcada e de parreirais cultivados no sistema de espaldeira, em que as videiras são plantadas em fileiras paralelas, o que permite uma boa exposição dos cachos ao sol e consequentemente um bom amadurecimento da fruta.

Para os vinhos tintos podem ser usadas as seguintes variedades de uvas: Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Tannat. Para vinhos brancos as uvas permitidas são Chardonnay e Riesling Itálico e, no caso dos espumantes, também é aceita a variedade Pinot Noir. As especificidades não param por ali.

Reconhecimento do território valoriza as propriedades

Elas vão além e determinam até a produtividade máxima, toneladas de uva por hectare. Esses detalhes garantem o mesmo padrão de qualidade para todos os vinhos que tenham o selo da DOVV.

Todo acompanhamento do processo – desde a comprovação da origem da uva, degustação às cegas para avaliação sensorial do vinho, análises de laboratório e aprovação de rótulos – é feita pela Aprovale. A conquista das IGs trouxe uma série de vantagens para o Vale dos Vinhedos.

“De início, percebeu-se uma valorização das propriedades agrícolas entre 200% e 500%, dependendo da localidade e da finalidade”, diz Brandelli.

Outro ganho foi o impulso do enoturismo. Hoje, a região recebe anualmente 410 mil visitantes, o que representa um aumento de 300% em relação a 2002. O crescente número de turistas atrai, ano a ano, mais investimentos (relacionados a gastronomia, hotelaria, agroindústria e artesanato) e gera novos postos de trabalho.

Atualmente, as vinícolas e demais empreendimentos da localidade empregam 1,2 mil pessoas. Além dos resultados advindos do turismo, as IGs abriram mercados para os vinhos do Vale dos Vinhedos não só no Brasil, mas internacionalmente.

Outro indiscutível benefício é a proteção do território garantido pela legislação brasileira, que restringe o uso das IGs aos produtos e prestadores de serviço do local. Quem usar o nome da região indevidamente estará infringindo a lei e deverá responder criminalmente. Em 2007, a União Europeia incluiu a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos na sua lista de IGs e, desde então, os vinhos da DOVV têm proteção legal também na Europa.

As Indicações Geográficas (IGs) do universo cafeeiro

No universo da produção de café também existem várias IGs. São elas: Cerrado Mineiro, Alta Mogiana, Mantiqueira de Minas, Norte Pioneiro e Região de Pinhal. No caso da Alta Mogiana, o registro de Indicação de Procedência (IP) saiu em setembro de 2013, devido ao trabalho da Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Alta Mogiana (AMSC), que tem hoje no rol de membros 100 produtores, 2 sindicatos rurais, a cooperativa COCAPEC, 3 cafeterias e 3 exportadoras.

Alta Mogiana: A Indicação Geográfica estimulou os cafeicultores da região a estruturar pequenas torrefações

“A AMSC foi fundada com a missão de valorizar e promover o café da Alta Mogiana, criando um senso de referência por meio do conceito de origem, que faz os consumidores associarem a procedência a um produto de qualidade”, explica Patricia Milan, superintendente da AMSC.

A localidade engloba 23 cidades, oito mineiras e 15 paulistas, que juntas têm 100 mil hectares de café distribuídos em 5 mil propriedades. Existe uma série de exigências que devem ser cumpridas para o café sair com o selo da Alta Mogiana.

“A propriedade deverá estar localizada num dos municípios abrangidos pela IP; o cafezal precisa ser da variedade arábica e estar a, pelo menos, 800 metros de altitude; o café deve pontuar no mínimo 80 de acordo com a metodologia da Specialty Coffee Association of America (SCAA) e o produtor deve ter vínculo com a AMSC e não estar em descumprimento com a legislação socioambiental” explica Patricia.

A Indicação de Procedência do Café da região da Alta Mogiana tem contribuído para a abertura de novos canais de comercialização e também tem incentivado cafeicultores a investir em qualidade. “Hoje, a região conta com uma série de marcas de café torrado de produtores que tiveram a iniciativa de verticalizar e estruturar microtorrefações para ofertar seus cafés especiais”, diz Patricia. “Esses produtos podem ser encontrados em diversos estabelecimentos de Franca e região e em grandes cidades, como São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília”, acrescenta.

A IP também tem atraído o turismo de negócios, compradores das mais diferentes partes do mundo (EUA, Japão, República Checa, Escócia, Austrália e Coreia do Sul) que vêm conhecer a região. No futuro, a ideia é explorar o “turismo de experiência” aos moldes do que acontece no Vale dos Vinhedos: atrair visitantes para conhecer as fazendas de café, as etapas de processamento do grão e degustar a bebida, que de tão importante dá nome à primeira refeição do dia dos brasileiros.

Estruturação da IG

O Sebrae vem ajudando as regiões no processo de obter o registro junto ao INPI. Desde 2011, a entidade tem uma metodologia de diagnóstico para identificar a potencialidade de uma localidade, que se destaca na produção de um determinado produto. “O Sebrae apoia a estruturação da IG dando orientação aos produtores e entidades locais envolvidos na cadeia produtiva do produto vinculado à região, no sentido de documentar, organizar os processos de produção e criar mecanismos de avaliação da conformidade do produto às práticas reconhecidas como específicas da localidade”, diz Giesbrecht, coordenadora nacional do projeto de Indicações Geográficas do Sebrae.

De acordo com a coordenadora, há várias IGs em análise no INPI: o abacaxi do Novo Remanso, região de Itacoatiara (AM); a cachaça de Morretes (PR); o guaraná de Maués (AM); a farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul (AC), entre outros. Há ainda outras IGs prestes a serem depositadas no INPI. É o caso do queijo de Marajó (PA), o café das Matas de Minas (MG) e o café da Serra do Caparaó (ES). “Em média, a concessão do registro demora cerca de um ano e meio e podem ser feitas exigências ao longo do processo”, finaliza o coordenador geral de Indicações Geográficas do INPI.


Tipos de Indicação Geográfica

Indicação de Procedência (IP): a partir de dados históricos, comprova a notoriedade da região na fabricação de um determinado produto

Denominação de Origem (DO): chancela que o produto de uma certa localidade, além de notoriedade


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