Demanda chinesa impulsiona o campo

28 de julho de 2019 7 mins. de leitura
Exportações do agro para o gigante asiático aumentaram nos últimos anos, e hoje a China já é o maior importador de soja, frango e suíno do Brasil
Soja representou 76,8% das exportações brasileiras à China

O crescimento da economia chinesa nos anos 2000 aqueceu a demanda por commodities no mundo, e o Brasil foi um dos países mais beneficiados com o aumento da procura por minério de ferro e soja. De lá para cá, a relação comercial entre brasileiros e chineses ganhou musculatura.

“Em 2000, a China representava 2,7% das exportações do agro brasileiro. Em 2017, a participação chinesa foi de 27,7% e, no ano passado, atingiu 35,5%”, diz o coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, que esteve à frente do Ministério da Agricultura entre 2003 e 2006. “O crescimento do comércio entre os dois países tem sido espetacular”, comenta.

De acordo com os dados do Ministério da Economia, em 2009 a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos. Por um lado, a demanda chinesa impulsionou os investimentos no campo. Por outro, o Brasil é um dos poucos países do mundo com capacidade para aumentar a produção de alimentos – com sustentabilidade – para atender à população da potência asiática.


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Além disso, os aportes da China no Brasil só têm aumentado nas últimas décadas. Segundo o boletim de investimentos estrangeiros no Brasil, elaborado pela Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), desde 2003 a China é também o maior investidor em solo brasileiro e ultrapassou os Estados Unidos. Até hoje, os chineses investiram US$ 71 bilhões, enquanto os ianques desembolsaram US$ 58 bilhões. Apesar da desaceleração chinesa – no segundo semestre do ano passado, o produto interno bruto (PIB) do país registrou um crescimento de “apenas” 6,2%, o mais baixo desde 1992 –, o comércio entre chineses e brasileiros continua a todo vapor. E as perspectivas são positivas.
“Se os chineses resolvem comprar um pouco, o pouco deles significa muito”, diz Rodrigo Lima

Segundo Charles Tang, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), até 2030 mais de 600 milhões de chineses entrarão na classe média. O ingresso neste estrato da pirâmide social significa uma mudança no perfil de alimentação, com maior consumo de carnes, o que favorece o campo brasileiro.

Para Roberto Rodrigues, o boom do agro brasileiro pode ser explicado por três fatores. “O primeiro é o avanço tecnológico. O segundo é o empreendedorismo do produtor brasileiro, que é corajoso, largou tudo para trás e foi plantar no Cerrado. E o terceiro é a abertura de mercado, particularmente dos países emergentes, dos quais a China é de longe o que mais cresceu”, explica.

O fato é que a China tem o poder de mudar o mapa do comércio mundial. “É o país mais populoso do globo, com 1,3 bilhão de pessoas, e dita a demanda de alimentos no mundo. Se eles resolvem comprar um pouco de alguma coisa, o pouco deles significa muito”, diz Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, empresa especializada em estudos e pesquisas aplicadas sobre temas globais do agro.

Produtos em destaque

No ano passado, três produtos foram destaque no comércio entre Brasil e China no agronegócio: soja em grãos, celulose e carne bovina in natura. De acordo com o Departamento do Agronegócio (Deagro) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a soja em grãos representou 76,8% da exportação total de produtos agropecuários àquele país, totalizando US$ 27,3 bilhões em 2018.

A guerra comercial entre China e Estados Unidos, aliada à quebra de safra da soja na Argentina, foi a responsável pelo aumento das compras chinesas do grão brasileiro. Segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais(Anec), em 2018 os embarques de soja tiveram um crescimento de 22,5% e totalizaram 82,9 milhões de toneladas.

Desse volume, 70 milhões de toneladas tiveram como destino a China. A demanda chinesa pela oleaginosa teve impacto direto no crescimento do setor. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as lavouras de soja ocupavam uma área de 21,3 milhões de hectares no Brasil em 2008.

Naquela safra (2007/2008), a produtividade média brasileira foi de 46,9 sacas de soja por hectare, e a colheita da oleaginosa somou60 milhões de toneladas. Dez anos depois, no ciclo 2017/2018, a área cultivada de soja no Brasil aumentou para 35 milhões de hectares, um acréscimo de 64,3%; a produtividade média saltou para 56,5 sacas por hectare; e a colheita registrou o recorde de 119,2 milhões de toneladas, quase o dobro.

Demanda chinesa por carnes está aquecida por causa da doença que levou ao abate de boa parte do plantel de suínos

Demanda de proteína animal em alta

No caso das carnes, a elevação da renda chinesa na última década repercutiu num aumento do consumo de proteínas. Em 2008, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o Brasil enviou 210 toneladas de carne bovina para a China e obteve uma receita de US$ 626 mil. Dez anos depois, em 2018, as remessas do produto somaram mais de 322 mil toneladas e trouxeram divisas ao País de US$ 1,4 bilhão, sendo o principal destino do produto brasileiro em termos de faturamento. No primeiro semestre deste ano, a China também foi o maior importador de carne suína (91,2 mil toneladas) e de frango (257,9 mil toneladas) do Brasil. No caso do frango, o país ultrapassou a Arábia Saudita, que, por décadas, foi o principal destino do produto brasileiro. O aumento das compras está diretamente relacionado ao surto de peste suína africana (PSA), doença que tem levado os chineses a abater boa parte do plantel de suínos, a carne mais consumida no gigante asiático.

Segurança alimentar

De acordo com dados do Rabobank, a China produziu no ano passado 54 milhões de toneladas de carne suína. Neste ano, a estimativa é de uma produção de 38 milhões de toneladas, uma queda de 30%. “Nós temos uma relação consolidada com a China, que tende a se fortalecer ainda mais pela necessidade deles de garantir a segurança alimentar frente ao momento difícil que estão vivendo com o episódio da peste suína africana”, diz Ricardo Santin, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Previsão do Rabobank é que a produção de suínos na China tenha uma queda de 30% este ano

Para contornar a situação, a China está aumentando a produção interna de camarões, frangos e bubalinos. Mesmo assim, estima-se que vão faltar 10 milhões de toneladas de proteína animal, o que é uma oportunidade para todos os países produtores. Quarto maior produtor de suínos do mundo, o Brasil tem uma produção anual de cerca de 4 milhões de toneladas, o que não chega a ser nem 10% da produção chinesa.

No entanto, o aumento de 30,7% das compras da potência asiática no primeiro semestre deste ano acarretou um aumento de 24,5% do volume das exportações de suíno e um incremento de 23,4% da receita. Esse segmento produtivo no Brasil costuma exportar cerca de 700 mil toneladas por ano. “O setor está aumentando o peso por carcaça de suíno para elevar a produtividade sem ter que fazer um projeto greenfield”, diz Santin.

A Europa, que é o maior exportador de carne suína, exporta 2 milhões. Ou seja, não há oferta de suínos no mundo suficiente para abastecer a demanda chinesa. Não por acaso, o gigante asiático tem aumentado as compras de todas as carnes.

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