Protocolo para neutralizar carbono chega à cafeicultura

29 de setembro de 2021 8 mins. de leitura
etor produtivo quer ser reconhecido por produzir com respeito ao meio ambiente e contribuir para limitar emissões de gases do efeito estufa

A cafeicultura brasileira não quer ficar de fora da crescente discussão global pela redução dos gases ligados ao efeito estufa (GEEs). Hoje o País, maior produtor e exportador mundial do grão, conta com vários certificados de sustentabilidade, mas o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) deseja ir além. Com práticas sustentáveis avançadas na produção da bebida, agora o setor prevê ser reconhecido como cultura de baixa emissão de carbono (CO2) – um dos principais gases causadores do efeito estufa.


Para isso, o Cecafé deu início a um programa voltado à aferição do gás carbônico na cultura, chamado de Projeto Carbono. “Queremos entender como está a situação do carbono na produção e o quanto a cafeicultura brasileira está contribuindo para a redução das emissões de gases associados às mudanças climáticas”, diz a gestora de Sustentabilidade do Cecafé, Silvia Pizzol.


O primeiro passo do projeto será a medição do balanço líquido de dióxido de carbono dos cafezais. Isto é, mensurar a emissão e o sequestro do gás carbônico pelas lavouras cafeeiras brasileiras. “A expectativa é positiva porque, por ser de porte arbóreo e cultura perene, o café retém parte do carbono. Acreditamos que teremos bons resultados”, projeta Silvia.
Na primeira etapa, prevista para ser concluída até o fim do ano, 40 fazendas cafeicultoras que cultivam a variedade arábica de três regiões do Estado de Minas Gerais, maior produtor nacional do grão, serão avaliadas. Do total das propriedades, 20 serão do sul de Minas, 10 do Cerrado Mineiro e outras 10 da região conhecida como “Matas de Minas” – todas com produção voltada à exportação. “Ao fim do processo, teremos o resultado do balanço líquido das emissões e recomendações aos produtores de possíveis correções no manejo adotado”, relata a gestora do Cecafé. Para o ano que vem, o Conselho pretende estender o projeto à variedade conilon de café, em lavouras do Espírito Santo.


O cálculo do balanço líquido será realizado com base no GHG Protocol – metodologia mais utilizada no mundo para quantificar emissões de GEEs. Os dados das emissões foram coletados em agosto. Em outubro, algumas plantas serão retiradas do solo das propriedades para análise laboratorial. E, a partir do fim de novembro, devem ser conhecidos os primeiros resultados. Segundo Silvia, foram selecionadas para o estudo propriedades mecanizadas e manuais com diferentes sistemas produtivos, desde as que adotam métodos mais convencionais até as que lançam mão de práticas sustentáveis. Uma fazenda cafeeira é considerada regenerativa ou de agricultura de baixo carbono quando é mantida em equilíbrio com florestas, com redução da aplicação de insumos agrícolas químicos, uso de energia solar, reaproveitamento de água e até o uso de abelhas para polinização.


O Projeto Carbono está sendo desenvolvido pelo Comitê de Sustentabilidade do Cecafé, em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e com o professor Carlos Eduardo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) – responsáveis pela metodologia e análise técnico-científica das amostras. A iniciativa será apresentada também ao Ministério da Agricultura.


Uma das propriedades analisadas no sul de Minas será a Fazenda da Onça, do cafeicultor Mário de Freitas Garcia, de Guaranésia. “A expectativa é boa, pois já damos alguns passos no sentido de mitigação de carbono há alguns anos”, diz Garcia. Entre as práticas, ele cita o cultivo de várias outras plantas entre as linhas dos cafezais, o que ajuda a fixar nitrogênio no solo e contribui para o controle biológico de pragas, com a redução do uso do glifosato. Além dessa prática, o cafeicultor adota compostagem orgânica e reaproveita a água da lavagem do grão. A fazenda tem 35% de área coberta com vegetação nativa, acima do exigido por lei, que é de 20%.

Ele conta que, há 20 anos, a propriedade de 808 hectares (150 hectares de produção do grão) vem adotando medidas de transição entre a cafeicultura convencional e um modo de produção mais sustentável. No momento está sendo instalado na propriedade um laboratório de reprodução de micro-organismos para aplicar nas plantas, o que deve reduzir o uso de adubos nitrogenados e defensivos. “A intenção é utilizar o menor volume possível de agroquímicos. Vamos ampliando de forma devagar e adotando técnicas novas para a cafeicultura”, relata o produtor. Praticamente 100% de sua produção, de 5 mil sacas de 60 quilos por safra, é destinada à exportação.

Na avaliação do Cecafé, o retrato da pegada de CO2 da cafeicultura brasileira, diante da expectativa positiva dos resultados, vai permitir, em um segundo momento, “agregar valor” ao grão brasileiro. “A perspectiva é de que vá melhorar a imagem internacional do produto brasileiro, mostrando que a cultura é parte da mitigação dos GEEs”, avalia Silvia.

Fazendas de Monte Carmelo mostram o caminho certo

A expectativa positiva do Cecafé com o projeto vem do retrospecto do café mineiro no quesito sustentabilidade. Um estudo semelhante já foi realizado pelo Imaflora, a pedido da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado de Monte Carmelo (Monteccer). O estudo, publicado em fevereiro, mostrou que um grupo de 34 propriedades de cafeicultores cooperados da Monteccer possui saldo negativo no balanço de emissões de gases ligados ao efeito estufa. O resultado foi negativo em 5,66 toneladas de CO2 por hectare anualmente, ou seja, esses cafezais mais sequestram do que emitem gás carbônico.


O engenheiro-agrônomo Marcelo Urtado, proprietário da Fazenda Três Meninas, de Monte Carmelo, participou do grupo. O saldo entre emissão e sequestro de gás carbônico da propriedade, chamada na época de Santa Maria, foi negativo em 5,47 toneladas de CO2 por hectare anualmente ou negativo em 0,16 por saca. Urtado atribui o resultado ao manejo integrado entre produção e floresta, ao plantio de forrageiras entre as linhas dos 40 hectares de cafezais, à irrigação por gotejamento, entre outras práticas. Na área de reserva legal da propriedade, ele plantou mais de 3 mil árvores junto à vegetação nativa. “No momento, estamos instalando placas de energia solar”, conta Urtado.


O produtor estima que, hoje, o seu saldo negativo deva ser ainda maior. Isso porque desde janeiro não utiliza mais insumos agrícolas químicos. Na época do estudo, o produtor aplicava, embora em quantidade pequena, fertilizantes organominerais e defensivos nas plantações. Hoje, a adubação é realizada com compostagem orgânica e o controle de pragas é feito com produtos biológicos – à base de bactérias, fungos e micro-organismos.


“Com a transição completa para o orgânico, o custo de produção diminuiu e o rendimento atingiu 54 sacas de 60 quilos por hectare por ano-safra”, comenta Urtado, que assumiu a fazenda em outubro de 2016 com produtividade média abaixo de 30 sacas por hectare.

Depois de carne, leite e soja, chegou a vez do café

Após a Embrapa ter lançado a carne, o leite e a soja carbono neutro, agora chegou a vez do café. A entidade está formulando um protocolo para determinar as características de um grão com emissão neutra de gás carbônico. O protocolo deve ser finalizado ainda este ano, conta o chefe-geral da Embrapa Café, Antônio Fernando Guerra. “A neutralização ou a máxima redução dos GEEs será exigência do mercado no futuro. Será um salto para a sustentabilidade da cafeicultura brasileira”, pontua Guerra.


A metodologia determinará a forma de realizar o diagnóstico do balanço entre emissão e captura de carbono na cultura do café. O protocolo levará em conta práticas regenerativas, como o cultivo de plantas entre as linhas dos cafezais. “O café, sozinho, não é suficiente para reduzir a emissão de gases ligados ao efeito estufa, mas, associado a sistema florestal ou de cobertura vegetativa, há possibilidade de reduzir e até mesmo zerar a emissão de CO2 equivalente”, aponta Guerra.


O próximo passo será a aplicação prática do protocolo. Para o projeto experimental, serão escolhidas propriedades agrícolas das principais regiões produtoras. “Já temos interesse de cooperativas, como a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé e a Cooperativa Minasul, em participar do projeto e do Conselho Nacional do Café”, relata Guerra. Serão esses testes nas fazendas que permitirão atestar a neutralização de carbono do café produzido com as tecnologias previstas no protocolo. O processo contará com auditoria independente para validação.


A Costa Rica foi pioneira no mundo ao ter a primeira lavoura de café certificada como neutra em carbono

15%
da produção brasileira, de 60 milhões de sacas por ano, conta com certificados socioambientais

25%
dos cafés especiais exportados pelo Brasil nos últimos anos têm certificado de sustentabilidade

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