‘Plano Safra vai melhorar a vida do pequeno e médio produtor’

28 de julho de 2021 13 mins. de leitura
Crédito subsidiado privilegiará cada vez mais esta fatia de agricultores, garante a ministra, que tem conseguido atrair bancos privados para financiar o agronegócio

>>> Vinicius Galera

Os grandes produtores rurais do País deverão cada vez mais obter recursos para financiar suas atividades no mercado de “juros livres”, ou seja, sem o “guarda-chuva” do crédito agrícola subsidiado garantido no atual Plano Safra, referente ao ciclo 2021/2022, reforçou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, nesta entrevista exclusiva. Entretanto, a titular da pasta diz que já iniciou movimentos para aperfeiçoar a Lei do Agro, criada para garantir novas ferramentas e estratégias de financiamento agropecuário dentro de instituições privadas de crédito. E acrescenta que os bancos têm atendido ao seu “chamado” para destinar mais dinheiro para o agronegócio. “Esse movimento vai crescer”, aposta. A ideia, enfim, é não deixar nenhum produtor rural de fora no momento em que ele precisar de recursos para a sua atividade – desde os pequenos e médios, contemplados com juros subsidiados, até os grandes, com várias possibilidades de se financiar no mercado. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

“O Plano Safra foi pensado para melhorar a situação dos pequenos e médios produtores; alinhamos isso com o Ministério da Economia”

O Plano Safra 2021/2022, apresentado recentemente pelo Ministério da Agricultura, mantém viés favorável a pequenos e médios produtores. Diante da escassez de recursos para o crédito subsidiado, o grande produtor vai ter de buscar cada vez mais dinheiro a juros de mercado?

Tereza Cristina – Com certeza. Desde que nós assumimos a Agricultura, esse foi o alinhamento com o Ministério da Economia. Pegamos um governo com dificuldades fiscais, que persistem. O Plano Safra foi pensado para melhorar a situação dos pequenos e médios produtores. Com a agricultura familiar abrigada agora no Ministério da Agricultura – antes era do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário –, nossa prioridade passou a ser o pequeno e o médio produtor. Desde então, vimos aumentando os volumes de recursos no Plano Safra. Concomitantemente, trabalhamos para melhorar e aumentar o crédito livre para o grande produtor, embora ele já tenha pacotes tecnológicos, trabalhe com as grandes tradings, faça barter. Assim, fizemos a Lei do Agro (Lei 13.986/2020), que alavancou muito o crédito para esse segmento. Agora estamos trabalhando para melhorar esse crédito, para que o grande produtor tenha mais facilidade e abundância na tomada de recursos a juros de mercado. 

Que melhorias são essas? Como serão encaminhadas?

Estamos analisando o que faltou na MP do agro (que virou a Lei do Agro) e vendo o que pode melhorar. Estamos estudando e ouvindo o setor. Fizemos várias reuniões com o setor privado, com a própria FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), para ver se faremos os acréscimos por meio de uma medida provisória ou por projeto de lei.

“A Lei do Agro alavancou muito o crédito rural para os grandes produtores e estamos trabalhando para melhorá-la”

Desde o início de sua gestão, e principalmente após a aprovação da Lei do Agro, a senhora tem feito sucessivos apelos aos bancos privados para que ampliem os recursos destinados ao setor. Tem funcionado?

Nós tivemos um incremento grande de 2019 para 2020 e de 2020 para 2021. A agricultura brasileira cresceu muito em volume e o crédito também tem que crescer. Por isso temos feito esse apelo. Neste Plano Safra 2021/22, 12 instituições que podem financiar o agro nos atenderam. Antes, eram três ou quatro. De maneira geral, as instituições financeiras e os fundos estão vindo. Eu sempre fiz um apelo para o mercado de capitais atuar mais nessa área do agro; eles emprestam muito na área imobiliária. Tem acontecido, os números são bastante expressivos. E acho que no ano que vem serão bem maiores. 

O grande produtor está convencido, afinal, de que terá de se financiar no mercado privado e dos juros livres? 

No custeio, sim. Mas hoje o maior gargalo para o grande produtor são os investimentos. Tanto que o atual Plano Safra teve um aumento de 29% em recursos para investimentos, com R$ 73 bilhões em relação a 2019/20. Atendemos ao principal pedido dos médios e grandes produtores, garantindo recursos para armazenagem, ou mais 84%, com R$ 4,12 bilhões. Devemos lembrar que colhemos duas safras por ano e não podemos mais contar com nossa rede de armazéns e silos hoje, pois ela ficou muito reduzida diante do aumento da safra. Há casos de gente usando caminhões e trens destinados aos portos como armazém, porque não há espaço suficiente para guardar produto e comercializar a safra com mais tranquilidade. Outra linha muito importante é o Plano ABC, de agricultura de baixo carbono, cujos recursos dobraram e chegaram aos R$ 5 bilhões.

Mesmo com a escassez de recursos no orçamento federal, alcançou-se o montante desejado para o Plano ABC?

Fizemos um balanço sobre o Plano ABC e vimos que ele já é maior do que o crédito liberado. Há muita gente fazendo práticas sustentáveis com recursos próprios. Por quê? O agricultor tem visto que produzir de maneira sustentável é muito mais viável. Ele tem ganhos de imagem na hora da comercialização, mas também ganha em produtividade. Então ele vem trabalhando muito dentro das regras do Plano ABC. Existe muita gente, por exemplo, fazendo integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) fora do crédito oficial. Mesmo assim, tivemos um incremento importante neste ano em recursos oficiais, e com taxas de juros razoáveis, entre 5,5% e 7% ao ano, com carência de até oito anos. Acho que ficou de bom tamanho. 

“Fizemos um balanço do Plano ABC e vimos que ele já é maior do que o crédito liberado”

A senhora já disse que o seguro rural, outro importante instrumento de proteção da renda do produtor, ficou aquém do objetivo inicialno Plano Safra 2021/22. E ressaltou que buscaria a verba restante ainda neste ano. Há tratativas com o governo e o Congresso sobre esse aspecto? 

Nosso pedido inicial era de R$ 1,4 bilhão para subvenção ao prêmio do seguro rural. Depois foi para R$ 1,3 bilhão, mas conseguimos R$ 1 bilhão. Por isso estamos trabalhando na busca desses R$ 300 milhões. Mas não é fácil. Nosso problema maior não é nem o financeiro, mas o orçamentário. Pela lei do teto de gastos, o problema se tornou muito mais de orçamento. Mas temos conversado com o Ministério da Economia. Não posso garantir, mas vamos continuar as conversas para ver até onde podemos chegar.

Quando Ricardo Salles deixou o Ministério do Meio Ambiente, sua avaliação foi de que ele deixou um legado. Que legado seria esse, tendo em vista que a imagem ambiental do Brasil e do agronegócio segue arranhada por causa de desmatamentos e queimadas?

Há algumas coisas que nem sempre a imprensa diz. Às vezes o produtor é punido de maneira injusta. Você tem aqui, no meu ministério, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma política herdada do Meio Ambiente e que está sendo implementada. Eu sempre tive a ajuda daquela pasta para fazer com que o CAR funcionasse. É uma política que vamos deixar para que se tenha justiça. Quem está se adequando ao Código Florestal, para prosseguir, tem que fazer o Programa de Regularização Ambiental, que foi elaborado em conjunto com o Meio Ambiente. Quanto ao desmatamento ilegal, sou a favor de punir e multar, assim como as queimadas criminosas. Nós trabalhamos isso em conjunto com o Meio Ambiente e continuaremos trabalhando. Infelizmente, os números não são bons, mas os estamos avaliando para ver o que realmente são. 

“Quanto ao desmatamento ilegal, sou a favor de punir e multar, assim como as queimadas criminosas”

Neste contexto, que estratégias o seu ministério deve adotar para reverter a imagem do agronegócio no exterior? A senhora fala muito em “potência agroambiental”. Esse termo tem repercutido lá fora? 

Você sabe que a imagem não é boa porque levam muita coisa lá fora. Nós temos problemas? Temos. O ponto central dessa imagem ruim do Brasil é o desmatamento. Agora, se esse desmatamento é ilegal, tem que ser punido. Mas temos mais de 70% da nossa vegetação nativa preservada, uma agricultura tropical feita à base de ciência e fundamentada pela nossa Embrapa, que estudou e fez uma agricultura altamente competente. Agora, mazelas todo mundo tem. Recentemente, eu recebi uma tabela que o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA) publicou, sobre os países que estão no ranking dos que têm mais progresso sobre a construção das políticas de baixo carbono. O Brasil é o 32º. Os Estados Unidos estão atrás da gente. Muitos outros países importantes, mais atrás ainda.

A China acentuou suas preocupações ambientais em seu plano quinquenal, no qual traçou os objetivos de mitigação de carbono nas próximas décadas. O agronegócio brasileiro já está se preparando para atender a possíveis exigências ambientais da China? Como o ministério vai contribuir para isso?

O ministério vai continuar com sua prioridade, que é a política de expansão do Plano ABC. Vamos, cada vez mais, apresentar os resultados, pois temos índices para aferi-los. A Embrapa já entregou para o setor de carne uma política de mitigação, a carne carbono neutro, e temos a soja seguindo na mesma linha. Agora, a maior preocupação da China, que tem 1,3 bilhão de habitantes, é com a segurança alimentar, embora esteja claro que ela está modificando sua política ambiental e sabe da importância do agricultor nesse processo. Mas a preocupação ambiental não é só da China; todo o mundo tem essa preocupação.

“A maior preocupação da China é garantir segurança alimentar, embora ela esteja modificando sua política ambiental”

Outra questão polêmica é a liberação dos agrotóxicos. Ao mesmo tempo que se fala muito nos insumos biológicos, diversas substâncias, inclusive algumas proibidas em outros países, foram liberadas com rapidez inédita desde o início do governo Bolsonaro.

Eu discordo completamente de dizer que foram liberados “com muita rapidez”. Há uma fila com prioridades. O contingente maior que nós liberamos foi de produtos genéricos. Na verdade, tínhamos que caminhar mais rapidamente, e aí precisa de legislação, nós precisamos mudar algumas coisas pra poder fazer a liberação de novas moléculas de defensivos com maior rapidez. E não é o Ministério da Agricultura que libera, isso é outro engano. A minha pasta faz a análise comercial para saber se o produto é indicado para determinadas culturas, para que cultura ele serve. Depois, temos a Anvisa, que faz um estudo de saúde, se o produto faz mal ou não. E, por fim, o Ibama vê sua influência no meio ambiente. Então não é o Ministério da Agricultura, não é “este governo”. É uma demanda do campo, que precisa utilizar e ter uma diversidade maior de produtos para usar o produto certo na hora certa.

“Discordo que os agrotóxicos tenham sido liberados com muita rapidez. Há uma fila de prioridades”

Depois, temos um último fator. Somos fiscalizados pelos países que importam os produtos brasileiros para ver se estamos dentro dos limites de resíduos preconizados pela FAO. Então, não há essa simplicidade que querem colocar, dizendo que o Brasil usa agrotóxicos de forma abusiva. Olha o tamanho da nossa agricultura, olha o que o Brasil produz hoje perante o mundo. Se você olhar no ranking, o Brasil não é dos que mais utilizam defensivos agrícolas. E outra coisa, olha a lista do que estamos aprovando de bioinsumos. Isso é uma realidade, está acontecendo, é uma coisa nova. 

Para ministra, produtor precisa ter maior diversidade de defensivos para a lavoura. (Fonte: Lucas Negrão/Estadão)

A tecnologia tem virado sinônimo de produção agropecuária. Como o ministério se posiciona diante das transformações tecnológicas, da formação e capacitação técnica do produtor rural e da possível exclusão que as tecnologias podem trazer?

Nós temos a Embrapa trabalhando cada vez mais junto com o agricultor. Desde que eu cheguei, nós nos esforçamos para aproximar mais o ministério da Embrapa, a fim de discutirmos o que precisamos levar para o campo. Quais são as políticas, as tecnologias, o custo dessa tecnologia, a segurança. Outro fator que nos preocupa é o pequeno agricultor, porque ele é o mais vulnerável. Um problema que o Brasil vai ter que superar, no qual ainda temos deficiência, é a assistência técnica. Precisamos de mais recursos para trazer tecnologia para o pequeno e o médio produtor, para que eles possam ser mais competitivos.

“Um problema que o Brasil vai ter que superar, no qual ainda temos deficiência, é a assistência técnica ao produtor”

Temos, por isso, trabalhado muito com a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) nos Estados, além do aumento da conectividade no campo, junto com o Ministério das Comunicações. Também temos o Programa Ater Digital (programa para impulsionar a assistência técnica e ampliar o acesso dos agricultores a mais tecnologias), a fim de que a assistência técnica chegue mais a ele. 

O setor de carnes, principalmente de suínos e aves, além da pecuária leiteira, tem enfrentado uma forte alta de custos por causa da disparada dos preços dos grãos. Quais estratégias o ministério tem adotado no curto prazo para minimizar essa situação e garantir a renda dos produtores?

Tudo o que o ministério podia fazer ele já fez. Foram adotadas algumas medidas. A primeira foi tirar o imposto de importação do milho, porque a gente recebe milho do Paraguai, da Argentina e de outros países. Como são do Mercosul, não tivemos tanto problema. Mas para receber milho norte-americano, por exemplo, havia o imposto de importação, que foi zerado. A gente tem notícia que está chegando muito milho importado no Brasil. Também fizemos um trabalho junto à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para liberar os eventos transgênicos (35’58’) do milho norte-americano, para que o País pudesse importar para consumo animal. Foram as medidas que o setor de carnes, suínos e aves pediu. A única coisa que a gente não conseguiu foi zerar o PIS/Cofins por um período, mas isso ainda está no Ministério da Economia.

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