Pagamento por serviços ambientais na soja já é realidade no Maranhão

29 de setembro de 2021 8 mins. de leitura
Projeto-piloto que uniu a ONG Tropical Forest Alliance e a Sumitomo Chemical garantiu o pagamento de US$ 40 mil a sojicultores que adotaram boas práticas

>>> Niza Souza

Uma iniciativa inédita para recompensar produtores de soja pela prestação de serviços ambientais colheu seus primeiros resultados, ao destinar US$ 40 mil a 52 produtores do Maranhão que participaram do projeto-piloto PSA Soja Brasil, promovido pela ONG Tropical Forest Alliance (TFA).

“Esse projeto demonstra, na prática, como os pagamentos por serviços ambientais (PSA) podem representar uma nova fronteira para a soja brasileira, aliando produtividade com qualidade ambiental”, diz a diretora regional da TFA, Fabíola Zerbini. Segundo ela, os 52 produtores foram remunerados a partir da valorização do solo, da biodiversidade e dos recursos naturais, como água e vegetação nativa.

A iniciativa contou com o patrocínio da Sumitomo Chemical, que pagou pelos serviços ambientais. “Acreditamos que o caminho ideal é a produção com sustentabilidade, valorizando os produtos diferenciados e os agricultores engajados nesse movimento”, afirma o diretor-geral da empresa no Brasil, Fernando Manzeppi, acrescentando que o objetivo final da iniciativa é regularizar a oferta de carbono.

Fabíola conta que, em 2020, a TFA iniciou uma série de diálogos com setores produtivos da soja, com o objetivo de formar uma parceria público-privada para incrementar a produtividade e a qualidade ambiental da soja brasileira.

“Ficou acordado que essa parceria deveria se centrar em uma política clara de incentivo a produtores para aprimoramento das práticas produtivas e ambientais, de forma coordenada com as oportunidades em torno do crescente mercado de carbono e demais serviços ambientais.”

Fabíola Zerbini, diretora regional da TFA | Fernando Manzeppi, diretor-geral da Sumitomo Chemical | Liana Gama, gerente da área ambiental do grupo BrasilAgro | Paulo Kreling, produtor.

Para avançar nessa agenda, o projeto PSA Soja foi iniciado com o intuito de experimentar metodologias de verificação e precificação de serviços ambientais, como carbono elementar, água e biodiversidade nas propriedades de soja da região de Balsas, no Maranhão.

“Esses produtores que acabaram de receber pelos serviços ambientais são a prova de que o conceito é viável: metodologias foram testadas, pagadores se voluntariaram a pagar e produtores se envolveram na experiência.”

Durante o andamento dos trabalhos, Manzeppi conta que se surpreendeu com o nível de conhecimento dos produtores. “A maioria já trabalha com boas práticas agrícolas e manejo ambiental sustentável. Eles sabem que, se desequilibrar o ambiente, não conseguem produzir. E também já enxergam que a agenda global exige cada vez mais rastreabilidade”, destaca.

O desafio para dar continuidade ao projeto e estendê-lo a outras culturas é o custo. “Toda inovação precisa ser viável, precisa ser um modelo replicável com baixo custo. Hoje, do jeito que está, tem um custo alto. É tudo muito manual, a coleta das amostras, as análises, e isso encarece. Precisamos digitalizar tudo isso”, pondera Manzeppi.

De qualquer forma, um segundo projeto com sojicultores de Mato Grosso já começou em setembro, e estão previstos novos projetos com pecuaristas na região do Araguaia (MT) e no Pará. “A prova de conceito já foi. Agora vamos continuar engajando o governo brasileiro para garantir políticas públicas que deem segurança jurídica para esse mercado e continuar atraindo outros atores da cadeia, como trades, compradores, investidores.”

Fabíola Zerbini, da TFA, explica que foram avaliados três tipos de serviços ambientais: carbono elementar (de solo), biodiversidade e água. O carbono é o principal quesito, mas também foram usadas variáveis de água e biodiversidade para premiar o carbono de solo.

Para conseguir bons resultados, a adoção de boas práticas agrícolas é fundamental. Quanto melhor o manejo e menor o uso de defensivos, mais carbono o solo retém e maior a chance de o produtor gerar crédito de carbono, além de melhorar a produtividade. “Sustentabilidade e produtividade estão ligadas. É um caminho sem volta.”

Que o diga o produtor Paulo Kreling, um dos sojicultores participantes do projeto. Voltar ao passado, nem pensar. Gaúcho, ele está há 18 anos no Maranhão, mas só há seis passou a investir na correção da fertilidade do solo. Adotou boas práticas conservacionistas, plantio direto, rotação de cultura, palhada, e passou a investir em máquinas mais modernas.

Iniciativa de sucesso

52

produtores de soja participaram do projeto

450 mil

hectares é a área total dos produtores

4 mil 

hectares de desmatamento evitável, mensurado pelo aumento da produtividade

US$ 40 mil

 foram pagos pelos serviços ambientais box

Hoje, Kreling está, literalmente, colhendo os frutos das mudanças e dos investimentos feitos em sua fazenda de 1.760 hectares, em Balsas, sul do Maranhão. Segundo ele, a produtividade subiu de 55 para 67 sacas por hectare, em média. E a meta é chegar a 70 sacas.

“Com o uso da tecnologia a gente faz a correção do solo com taxas variáveis, conforme o mapa que criamos. As máquinas nos mostram o talhão que produz menos. Isso ajuda muito a melhorar a qualidade de solo, a produtividade, a rentabilidade e a qualidade ambiental, porque contribui para o sequestro de carbono”, explica o produtor. “O pessoal do projeto ficou impressionado com a quantidade de galeria de minhoca aqui na fazenda, isso é sinal de fertilidade do solo, solo arejado, descompactado, com boa matéria orgânica, por causa dessa palhada que a gente produz.”

Além de aumentar a produtividade, o produtor recebeu pelos serviços ambientais. “Eu não sabia que existia esse tipo de pagamento. Acho muito importante, porque é um reconhecimento. Acredito que estamos formando uma nova moeda, a moeda verde.”

A Fazenda São José, em São Raimundo das Mangabeiras, do grupo BrasilAgro, também recebeu pelos serviços ambientais prestados. Dos 17.566 hectares, 7.429 são áreas preservadas de vegetação nativa.

“Conservar requer investimento e esforço”, assinala a gerente da área ambiental do grupo, Liana Gama. “Por exemplo, nas áreas de proteção permanente (APP), precisamos ter uma brigada de incêndio; e, nos cursos de água e mananciais, fazer análises constantes da qualidade para saber se estamos interferindo. Ter um programa capaz de medir esses serviços ambientais é muito importante.”

Segundo ela, além da manutenção das áreas preservadas, a fazenda sempre adotou, nas áreas produtivas de soja, milho e cana, todas as boas práticas agrícolas, como plantio direto, curva de nível, plantio na palhada, controle biológico de pragas, rotação de culturas.

O pagamento pelos serviços ambientais, diz Liana, “foi a cereja do bolo”. “Já tivemos outros tipos de reconhecimento, como certificações, mas, financeiro, foi a primeira vez. É um reconhecimento de todo esse esforço.”

Lei foi aprovada, mas com vetos importantes

A Lei 14.119/21, que regulamenta o pagamento por serviços ambientais, foi aprovada em janeiro. Trata-se de uma forma de incentivo à conservação e ao desenvolvimento sustentável pela remuneração em troca do bem preservado. O texto cria uma política nacional, mas o governo federal vetou a formação de um órgão colegiado para definir a aplicação de recursos e a criação de um cadastro nacional sobre os pagamentos.

O governo federal também vetou a possibilidade de incentivos tributários adicionais para mudanças que busquem a sustentabilidade ambiental e para quem financiar o programa de pagamento de serviços ambientais.

O texto cria uma política de pagamento por serviços ambientais, que determina objetivos e diretrizes, e um programa federal de pagamento por esses serviços (PFPSA), com foco em ações de manutenção, recuperação ou melhoria da cobertura vegetal em áreas consideradas prioritárias para a conservação, nas ações de combate à fragmentação de hábitats e para a formação de corredores de biodiversidade e conservação dos recursos hídricos.

O pagamento pelos serviços ambientais poderá ser de várias formas: direto (monetário ou não); prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; comodato; títulos verdes (green bonds) e Cota de Reserva Ambiental instituída pelo Código Florestal.

Receitas obtidas com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, de que trata a Lei 9.433/97, poderão ser usadas para o pagamento desses serviços ambientais, mas dependerão de decisão do comitê da bacia hidrográfica. Outras modalidades de pagamento devem ser estabelecidas por atos normativos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que será o órgão gestor da política nacional.

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