Boiada tecnológica

30 de junho de 2021 9 mins. de leitura
Por trás dos números pujantes da produção de carne bovina no Brasil, está muita aplicação de conhecimentos para aumentar a produtividade – e a sustentabilidade

MOACIR JOSÉ

Quando o assunto é criação de bois no Brasil, a primeira imagem que chega à mente de quem não está familiarizado com essa atividade no campo é desmatamento para abertura de pasto. Muito longe disso, porém, boa parcela dos pecuaristas do País conseguiu transformar suas propriedades em ilhas de excelência tecnológica, com alta produtividade em menor área e, consequentemente, com sustentabilidade. Não à toa – é bom lembrar – o Brasil se tornou o principal exportador de carne bovina no mundo. Sem todo o arcabouço tecnológico e produtivo por trás, isso não seria possível. Trazemos, aqui, três exemplos de criadores de bovinos – e com certeza há muitos mais – que tratam a atividade com respeito aos animais e ao meio ambiente e, lógico, com tecnologia e lucro. 

Um dos bons exemplos vem de Mato Grosso, na região pantaneira de Itiquira, no sul do Estado, onde o Grupo Rezende produz, em duas fazendas, cerca de 10 mil bezerros por ano, a partir de um rebanho de 15 mil matrizes da raça nelore. Desses 10 mil, cerca de mil virarão reprodutores da raça, que serão vendidos em leilão e servirão para disseminar genética de melhor qualidade para outros criatórios. Outra parte – 4 mil animais machos, entre nelore e cruzados com a raça britânica angus, recriados em outras duas fazendas, mais ao norte de Mato Grosso – é abatida aos 24 meses, com média de 550 kg de peso, marca que só seria alcançada por um animal criado sem tecnologia com mais de 40 meses de idade.

Para chegar a esse resultado, muitas tecnologias estão envolvidas. Na genética, são técnicas como inseminação artificial em tempo fixo (com aplicação de hormônios para sincronizar o cio das vacas), fecundação in vitro (para multiplicar a quantidade de embriões que fêmeas de melhor qualidade produzem) e melhoramento genético lastreado em programas conceituados (um da Associação Brasileira de Criadores de Zebu – ABCZ, e outro do Grupo DeltaGen, para emissão de certificados de produção), além da genômica – biotecnologia que indica com mais precisão quais acasalamentos de touros e vacas propiciarão melhores resultados. Bom manejo de pasto, suplementação alimentar e confinamento fazem essa genética deslanchar, tudo acompanhado de um monitoramento dos animais por programas de computador.

Para o diretor e sócio-proprietário do Grupo Rezende, Antônio Carlos Rezende, um dos grandes avanços proporcionados pelo melhoramento genético foi a antecipação da entrada das fêmeas em reprodução. Hoje, 80% das novilhas do grupo são inseminadas na faixa de 12-14 meses e 70% delas emprenham, quando, na média brasileira, esse porcentual só é atingido com animais com quase o triplo da idade. “Ainda podemos avançar mais. Esse é o desafio principal. Mas leva tempo. Foram 15 anos de melhoramento genético para chegar a esse ponto”, diz ele.

Outros desafios apontados pelo pecuarista são reduzir as perdas gestacionais (abortos) das matrizes (5% a 6% no geral) e acelerar ainda mais a chegada dos animais ao ponto de abate. “Tudo isso faz com que a pecuária seja amiga do meio ambiente, porque produzirá mais sem aumento de área, ou seja, diminuindo o desmatamento”, define, calculando que, nos últimos 18 anos, a produção de bezerros do grupo aumentou entre 15% e 20%. Para Rezende, aumentar a produtividade por área é uma questão de sobrevivência, uma vez que a agricultura vai continuar avançando sobre as áreas de pecuária, sobretudo as menos eficientes.

“Nesse sentido, a pecuária tem de ser mais eficiente. Mas, comparada a outros países, somos muito avançados”, pondera, citando, como exemplo, a quantidade de vacas inseminadas no Brasil (segundo a Asbia – Associação Brasileira de Inseminação Artificial, foram comercializados 25,5 milhões de doses de sêmen no ano passado; 16,3 milhões para o gado de corte) e a quantidade de transferências de embriões (oriundas do processo de fecundação in vitro; o Brasil é o que mais faz no mundo: 132 mil em gado de corte, segundo a Sociedade Internacional de Transferência de Embriões). O Grupo Rezende faz cerca 2.500 transferências por ano, que resultam em mil embriões.

Ração sem desperdício

Na ponta da engorda de animais, um outro bom exemplo de uso de tecnologia está no Boitel Ribas Agropecuária, de Guarantã, região centro-oeste de São Paulo, que manda para o abate todos os anos em torno de 10 mil animais. Contando com 5% a 10% da cana-de-açúcar produzida pela Ribas Agropecuária – que fornece o produto para usinas da região –, o boitel produz silagem com a forrageira e incrementa a ração do gado com subprodutos como farelo de amendoim e melaço de soja, além de milho moído e núcleo mineral, proporcionando aos animais ganhos de peso entre 1,7 kg e 1,8 kg por dia. O destino final da carne são os mercados chinês e europeu.

A logística para alimentar 4 mil bois por períodos de cem dias – são 60 a 80 toneladas de ração movimentadas diariamente no confinamento – é, há cinco anos, facilitada pelo controle eletrônico tanto do carregamento e mistura da ração (silagem de cana e os demais ingredientes) como da sua distribuição nos 60 currais de engorda, em cinco fornecimentos diários. Computadores instalados no trator ou no caminhão calculam a composição da mistura e indicam a quantidade que cada curral deverá receber, de acordo com o número de cabeças, tipo de dieta (são três) e horário.

Segundo o diretor-geral da
Ribas Agropecuária, José Roberto Ribas Filho, antes da automação das máquinas, os funcionários tinham de fazer, diariamente, em fichas, 300 anotações no fornecimento da ração (5 fornecimentos por dia x 60 currais), mais 80 apontamentos da distribuição da ração nos vagões forrageiros (8 ingredientes da ração x 10 vagões). “Havia muitos erros de lançamento, de digitação. E os erros, às vezes, induziam a um fornecimento a mais de ração para determinado lote, com correspondente desperdício de comida. Sofríamos muito, mas isso acabou”, diz ele.

Outra importante – e moderna – tecnologia adotada no Boitel Ribas Agropecuária é a pesagem dinâmica do gado. Ou seja, em vez de ser pesado apenas duas vezes – contido no curral de manejo, antes de entrar nas baias de confinamento,  e quando sai para o frigorífico –, o gado é pesado toda vez que vai ao bebedouro para saciar a sede. Um sistema eletrônico alimentado por energia solar e dotado de leitores ópticos capta as informações do animal contidas no brinco eletrônico que está em sua orelha e registra o peso apresentado por uma balança eletrônica que está instalada na base do bebedouro. Com isso, o pecuarista sabe o momento exato que cada animal deve ser mandado para o frigorífico.

“O ponto ótimo de abate é fundamental para o sucesso do confinamento. Ficar cinco dias a mais no curral, desnecessariamente, pode significar o lucro que eu teria com o animal”, explica Ribas Filho. Ou seja, com uma diária de R$ 20, mandar o animal para abate na hora certa significa deixar de gastar R$ 100. Por outro lado, o gado sair antes da hora implica o risco de sofrer descontos por parte do frigorífico, pois os animais poderão não ter atingido a cobertura de gordura adequada na carcaça.

Atualmente, apenas quatro currais do Boitel Ribas contam com esse sistema de pesagem dinâmica do gado, adotado há quatro anos. A ideia de José Roberto Ribas Filho é ampliá-la para todos os 60 currais. Não só para ter essa importante ferramenta de decisão. “O mais importante é que vou liberar meu gerente para fazer outras atividades mais importantes na fazenda. O custo de um funcionário bem treinado é maior do que o custo da tecnologia. Meu ganho está aí”, define o produtor.

Pasto com capacidade ajustada

Para quem – como a maioria das fazendas de gado de corte brasileiras – depende do pasto para ter sucesso em seu negócio, nada como uma “mãozinha” vinda do céu. Imagens de satélite e programas de computador abastecidos por centenas de informações agronômicas e zootécnicas já fazem o importante papel de maximizar a produção pecuária, no que diz respeito a manejo de pastagens. É dessa tecnologia que vem usufruindo a Fazenda Vargem Bonita, do município de Goiás, no centro-
oeste do Estado.

Há pouco mais de um ano, a proprietária Sara Matos Ferreira tem informações mensais sobre quanto de capim existe em cada um dos dez pastos da fazenda, que perfazem 450 hectares, e se essa oferta está adequada para o tanto de animais que estão sobre a área. Isso permite, basicamente, que ela desloque parte dos animais que estão numa área com déficit de capim para outra com sobra de capim, algo que, só no olho, estreitaria muito a margem de acerto.

Essa ferramenta ajudou a Vargem Bonita a figurar entre as fazendas mais eficientes em produção de arrobas de boi em pastagens (11,9@/ha/ano) na carteira de clientes da consultoria mineira Exagro, de Nova Lima, gestora do sistema de análise das imagens de satélite, já utilizada por 110 propriedades. Essa produção é quase o dobro da média brasileira, de 6,6@/ha/ano. Consequentemente, consegue-se menor uso de recursos para produzir mais arrobas.

Mais do que isso, a tecnologia permitiu à pecuarista decidir pela mudança de sistema produtivo da fazenda, concentrando-se na produção exclusiva de bezerros, que estão muito valorizados atualmente, por causa da oferta escassa dessa categoria de bovinos. A meta é produzir 900 animais este ano, a partir de um rebanho de 1.200 vacas, parte delas alocada em outra fazenda da família. “A tecnologia tem muita precisão e me dá muita segurança para fazer as mudanças necessárias, principalmente numa região onde a seca é muito intensa e onde o capim cresce muito rápido quando vem a chuva”, diz a pecuarista, que também usa a inseminação artificial em tempo fixo na vacada (não há touros na fazenda), com índice de prenhez geral de 78%, muito bom para a técnica.

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