Agronegócio ganha espaço no PIB brasileiro

30 de junho de 2021 8 mins. de leitura
Com cenário favorável às exportações de grãos e carnes, dólar em patamar firme e safra recorde, participação deve chegar a 30% na economia do País.

VINÍCIUS GALERA

O ano de bonança para a agropecuária brasileira, com exportações e preços recordes de commodities, deve continuar a se refletir nos indicadores econômicos do País e fazer inclusive com que o setor abocanhe uma parcela maior ainda no Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. Historicamente, o agronegócio contribui com cerca de 20% a 25% de toda a riqueza produzida no Brasil, mas, neste ano, pesquisadores acreditam que a pujança do campo deve fazer com que essa porcentagem salte para pelo menos 30%. E só não será maior por causa de um mercado interno deprimido em meio à persistente crise econômica, que produz desemprego em massa. No ano passado, conforme levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) e da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a participação foi de 26,6% – ou seja, o agro avançará este ano quase 4 pontos porcentuais.

Em relação a outros setores da economia, o agronegócio também se destaca. Na semana passada, por exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aumentou sua projeção de crescimento para o PIB agropecuário este ano de 2,2% para 2,6% – com avanço de 2,7% na produção vegetal e 2,5% na produção animal. E, no primeiro trimestre do ano, enquanto o PIB geral do País cresceu tímido 1% em relação a igual período de 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mesmo indicador para o agronegócio deu um salto de 5,2%.  

Mesmo com essa grande diferença, o coordenador do núcleo econômico da CNA, Renato Conchon, explica que, neste ano, o PIB da agropecuária – tudo o que se produz “dentro da porteira” –, mesmo crescendo, deve se diluir mais no PIB brasileiro, que também tem projeções de fechar no campo positivo. “A produção agropecuária deve representar 5,8% do PIB brasileiro, quando no ano passado chegou a 6%”, diz Conchon. 

Já para o PIB do agronegócio – que envolve a produção dentro e fora da porteira, com todas as cadeias agroindustriais envolvidas –, o coordenador da CNA também concorda que deva representar 30% do PIB do País. “Nossa previsão para este ano é de que o PIB do agronegócio cresça puxado pelos setores de grãos e carne bovina. Vimos uma safra recorde em 2020/21. A boa produção, associada à procura por commodities agrícolas no mercado internacional, elevou os preços. O produtor ficou instigado a plantar mais neste ano.” 

O indicador do emprego no agro também vem avançando. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), medido pelo IBGE, entre janeiro e março foram registradas mais de 65 mil novas vagas, 4% mais do que em igual período do ano passado. Segundo Conchon, o crescimento pode ser atribuído ao aumento da renda nos municípios do interior do País. 

Sobretudo nos municípios de Mato Grosso, o maior produtor nacional de grãos e carne bovina – lembrando que o Brasil é o maior exportador mundial de soja e da proteína vermelha. Ou seja, se o PIB do campo vai bem, o de Mato Grosso, idem, ainda mais levando-se em conta que o agronegócio representa 50% do PIB do Estado, de acordo com o superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), Daniel Latorraca. “A relevância é muito alta. Isso tem uma série de impactos que podem ser positivos ou negativos na economia do Estado.” Em um ano como 2021, em que praticamente tudo vai bem, ele projeta um crescimento de dois dígitos no PIB do agronegócio mato-grossense.

O aumento pode ser explicado, diz Latorraca, pela conjuntura do País, entre elas o dólar valorizado ante o real, que beneficia as exportações. Mesmo com a recente queda da moeda norte-americana, a cotação ao longo do primeiro semestre manteve-se firme acima dos
R$ 5, patamar extremamente favorável aos embarques externos. “Nossa produção é voltada para o mercado externo. Dentro dessa perspectiva, o dólar acima de R$ 5 mantém a competitividade muito boa dos nossos produtos lá fora.” 

Segundo Latorraca, cerca de 77% do milho que está sendo colhido agora já está vendido. A soja também foi muito bem comercializada. O crescimento do etanol de milho e a agroindústria da soja operando na capacidade máxima, assim como a de carnes, ajudam a manter o setor bastante animado, mesmo com uma possível quebra no milho safrinha e com o aumento do custo de produção em alguns setores – sobretudo pela disparada dos preços dos grãos. 

O único motivo de preocupação, cita o representante do Imea, é o setor de algodão, sendo Mato Grosso o maior produtor da fibra no País. A pandemia de coronavírus e o fechamento do setor de serviços atingiram os preços da pluma em Nova York e, apesar de as cotações ensaiarem recuperação, não houve tempo para os produtores mudarem de estratégia. “A área plantada de algodão de segunda safra registrou uma queda de 17%”, diz o economista. “Isso já afetou o preço. Vai haver uma melhora na próxima safra, mas nesta o produtor plantou menos e com produtividade menor.”

Pandemia de covid-19 aqueceu embarques externos

O pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Felippe Serigati, atribui à pandemia de covid-19 parte do bom desempenho do setor agropecuário brasileiro desde o ano passado. Ele lembra que, no início da crise sanitária global, importantes fornecedores de alimentos, como Argentina e Rússia, seguraram grãos nos portos para garantir o abastecimento interno. Espaço que o Brasil soube preencher. Além disso, problemas como a disseminação do vírus nas plantas industriais de abate de animais nos Estados Unidos fizeram com que o maior concorrente do Brasil no setor de proteína animal reduzisse a produção.

Agora, o momento atual é de reaquecimento na demanda do mercado externo, impulsionado pelo avanço da vacinação contra covid-19 e, principalmente, pelo volume de recursos que as economias estão injetando na retomada. Desde fevereiro, os Estados Unidos já injetaram US$ 3,5
trilhões na economia. Para efeitos de comparação, o PIB total do Brasil é de US$ 1,3 trilhão. Na União Europeia também foram injetados 3 trilhões de euros. “Com a vacinação e a volta da circulação de pessoas, o setor de serviços volta a funcionar. E isso aquece a demanda por commodities agrícolas”, cita o pesquisador do FGV Agro, acrescentando que, novamente, isso favorece o Brasil.

Outro ponto de atenção, segundo ele, é a disseminação da peste suína africana no rebanho da China, o maior do mundo. A doença obrigou o gigante asiático a sacrificar pelo menos metade de seu plantel, forçando, por tabela, a importação recorde de carnes bovina, suína e de frango para abastecer sua população. Neste momento, as notícias são de que a China está recompondo os rebanhos, com investimentos em escala industrial – ao contrário da prática tradicional de pequenos criadores. Isso aumenta a demanda do país asiático por grãos e, mais uma vez, beneficia o Brasil – inclusive, no futuro, há possibilidade de a China passar a comprar grande volume de milho daqui e, não só de soja.

Setor que não exporta dependerá da economia

De acordo com a pesquisadora Nicole Rennó, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), de um modo geral a perspectiva é de que o ano termine com um resultado muito bom para o PIB da agricultura (que inclui a produção agrícola, de insumos, processamento e distribuição). “Mesmo com a quebra praticamente certa da segunda safra de milho, a produção agrícola geral deverá ser boa, e tudo indica que os preços permanecerão em patamares altos.” A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta, por exemplo, nova safra recorde de grãos este ano, de 262,13 milhões de toneladas, ou 2% maior do que a colheita de 2019/20.

Por outro lado, o PIB da pecuária tem perspectivas de crescimento mais modestas. “Mesmo com os preços elevados das proteínas (carnes, leite e ovos), a escalada no custo dos insumos está corroendo o PIB das cadeias pecuárias.” Além disso, a escassez de bovinos no campo tem limitado o impulso ao PIB da pecuária, apesar da expansão do volume produzido pelas demais atividades do setor (suinocultura, avicultura de corte, ovos e leite).

Por isso ela diz haver incerteza com o desempenho da agroindústria, principalmente daquela voltada para o mercado doméstico, que já vinha sofrendo com uma demanda enfraquecida desde 2014, cenário agravado com a pandemia. “O desempenho da agroindústria este ano estará bastante ligado ao que veremos em termos de recuperação da economia e da renda do brasileiro.”

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