Startups alavancam produção

28 de julho de 2020 7 mins. de leitura
Ferramentas digitais aliviam prejuízos atrelados a alguns segmentos do agro

Embora o agronegócio tenha sido um dos setores da economia menos afetados pela pandemia, segmentos como o de hortifrúti enfrentam problemas decorrentes da crise sanitária. A área envolve frutas, legumes e verduras, produtos perecíveis com curtíssimo tempo de vida. Se o isolamento social gerou um aumento na demanda de hortifrútis nos supermercados da ordem de 20%, os produtores que forneciam diretamente para restaurantes e hotéis viram do dia para a noite os pedidos despencarem e ficaram sem saber como escoar a produção. A interrupção da comercialização também afetou as cadeias longas. “Agricultores que dependem de um intermediário, que manda para um atravessador, que envia para o atacado, também sentiram”, diz Marina Marangon, analista de mercado de Hortifrúti do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP.

Diante do quadro caótico, a Bayer decidiu lançar em abril uma iniciativa para ajudar os proprietários do campo a enfrentar a pandemia. O programa “Desafio Covid-19: Soluções Digitais para o Agronegócio” nasceu com o objetivo principal de selecionar 20 startups do agro que tivessem soluções digitais prontas para serem aplicadas no dia a dia do segmento. “Diagnosticamos que os principais gargalos para o agricultor estavam ligados à logística dentro e fora da porteira”, diz Dirceu Ferreira Junior, diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer Brasil. A lista de problemas, segundo o executivo, engloba temas como comercialização da produção, questões trabalhistas e de fluxo de caixa na propriedade rural, suporte técnico e atendimento remoto, além de acesso ao crédito e aos insumos agrícolas.

A iniciativa foi desenvolvida em parceria com o banco Sicredi, com o hub de tecnologia AgTech e com a Orbia, um marketplace de agronegócio, em que os agricultores acumulam pontos resgatáveis em produtos ou serviços. As agrotechs classificadas foram inseridas na plataforma sem custo de inscrição. “Durante o período da campanha, que vai até 30 de julho, os resgates para o agricultor têm custo zero”, diz Junior. “Basta o produtor entrar na Orbia, ver o serviço que deseja e resgatar”, completa. Todos ganham nessa via de mão dupla: o agricultor tem acesso a uma série de serviços e as startups têm suas soluções expostas a mais de 140 mil produtores inscritos no marketplace. Até o momento, foram contabilizadas 9 mil visualizações e mais de 300 resgates de serviços.

Timing certo

Uma das startups que participam do Desafio Covid-19 é a Sumá. A plataforma da empresa conecta e faz a operação logística entre agricultores familiares e compradores regulares como hospitais e refeitórios de indústrias. Em 2013, os primeiros passos da startup foram na tentativa de fazer a conexão entre produtores e prefeituras. Mas a transparência da plataforma afastou a esfera municipal. Resiliente, a Sumá foi conversar com restaurantes e hotéis, que tinham interesse em comprar da agricultura familiar. Novamente, a agrotech esbarrou em um empecilho, o consumo nesses estabelecimentos não tinha um fluxo contínuo que viabilizasse a logística.

“Neste momento fizemos a pergunta: Qual é o mercado que tem volume para prover uma renda digna ao agricultor e prover uma logística viável? Então, chegamos aos hospitais e refeitórios de indústrias”,

Daiana Censi Leripio, coordenadora financeira e de operações da Sumá

A resposta para o dilema da startup veio em dezembro do ano passado. “Por acaso, acabou ficando totalmente alinhada com a questão da covid-19, porque as escolas fecharam, os hospitais aumentaram sua demanda [de alimentos] e boa parte das indústrias continuaram trabalhando com 50% da capacidade”, diz Daiana, salientando que o foco de atuação da Sumá são os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A solução foi literalmente a salvação da lavoura dos agricultores, principalmente aqueles que forneciam hortifrútis para merenda escolar e restaurantes. A Sumá ainda está em fase de crescimento, mas já movimenta 80 toneladas por mês. Os serviços da startup também têm agradado por diminuir o desperdício. “Eles têm reportado uma redução de perdas entre 15% e 20% desses produtos entregues na cozinha”, diz a coordenadora da Sumá. Isso ocorre porque o caminho acaba ficando mais curto e o alimento chega mais fresco e não passa por vários entrepostos.

Agricultores familiares podem usar aplicativos de conexão mais rápida com os compradores (Getty Images)

Unindo as pontas

Outra agrotech com soluções endereçadas ao segmento de hortifrúti é a Nutrir, que nasceu em Botucatu (SP), berço da agricultura biodinâmica, um dos sistemas de plantio de orgânicos. Fundada por Renan Ordonhes em 2012, a empresa atua como marketplace de produtos de mesa provenientes da agricultura familiar. Como a maioria das startups, ela nasceu da constatação de um problema. “Por conta do meu trabalho na época, eu visitava produtores orgânicos e notei que eles estavam totalmente desamparados”, diz o fundador da Nutrir.

Na verdade, esses agricultores faziam bem o trabalho do lado de dentro da porteira, na lavoura, mas tinham dificuldades na comercialização. Ordonhes criou a Nutrir para unir as pontas. “Hoje temos 450 produtores cadastrados na plataforma e os conectamos aos atacadistas, que atendem as redes de varejo e as indústrias do mercado nacional e internacional.” Hoje, a agrotech atua em 11 Estados e comercializa por mês entre 150 mil e 170 mil itens. Além disso, a Nutrir ajuda o agricultor a planejar a safra, de acordo com os dados do mercado consumidor.

Múltiplas soluções tecnológicas

As soluções escolhidas pelo Desafio Covid-19 contemplam várias necessidades do agricultor. A MyFarm, por exemplo, tem um software de gestão agrícola que permite ao produtor acompanhar os estoques da fazenda e cumprir obrigações legais, como o controle de notas fiscais. A Sensix é especializada no monitoramento de plantações com o uso de satélites e drones, que dão informações sobre o desenvolvimento da lavoura, consentindo a comparação entre safras, o que auxilia o agricultor na tomada de decisão. Há ainda soluções para quem cria animais. A Smart Granja e a JetBov possuem softwares de gestão zootécnica para otimizar os resultados dos lotes e aumentar a renda dos produtores. A diferença é que a primeira é focada em aves e a segunda, em pecuária.

E os serviços não param por aí. A Bart Digital oferece soluções online para o barter, operação financeira muito comum na agricultura que consiste em pagar insumos das lavouras com a entrega do produto (soja, milho, café) no pós-colheita. A Farmbox, por sua vez, se define como uma caixa de soluções para fazenda. Ela oferece ferramentas da semeadura à colheita, ajudando o produtor a escolher o momento certo (janela ideal) do plantio e a monitorar as possíveis ameaças à lavoura (pragas, doenças, ervas daninhas, clima), bem como os estoques de produtos e a colheita.

“Os recursos tecnológicos para apoiar os agricultores são um dos caminhos que encontramos para manter a cadeia agrícola ativa e, futuramente, serão uma saída extremamente estratégica para o setor”, diz Junior, diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer Brasil.

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