Startups alavancam produção
Embora o agronegócio tenha sido um dos setores da economia menos afetados pela pandemia, segmentos como o de hortifrúti enfrentam problemas decorrentes da crise sanitária. A área envolve frutas, legumes e verduras, produtos perecíveis com curtíssimo tempo de vida. Se o isolamento social gerou um aumento na demanda de hortifrútis nos supermercados da ordem de 20%, os produtores que forneciam diretamente para restaurantes e hotéis viram do dia para a noite os pedidos despencarem e ficaram sem saber como escoar a produção. A interrupção da comercialização também afetou as cadeias longas. “Agricultores que dependem de um intermediário, que manda para um atravessador, que envia para o atacado, também sentiram”, diz Marina Marangon, analista de mercado de Hortifrúti do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP.
Diante do quadro caótico, a Bayer decidiu lançar em abril uma iniciativa para ajudar os proprietários do campo a enfrentar a pandemia. O programa “Desafio Covid-19: Soluções Digitais para o Agronegócio” nasceu com o objetivo principal de selecionar 20 startups do agro que tivessem soluções digitais prontas para serem aplicadas no dia a dia do segmento. “Diagnosticamos que os principais gargalos para o agricultor estavam ligados à logística dentro e fora da porteira”, diz Dirceu Ferreira Junior, diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer Brasil. A lista de problemas, segundo o executivo, engloba temas como comercialização da produção, questões trabalhistas e de fluxo de caixa na propriedade rural, suporte técnico e atendimento remoto, além de acesso ao crédito e aos insumos agrícolas.
A iniciativa foi desenvolvida em parceria com o banco Sicredi, com o hub de tecnologia AgTech e com a Orbia, um marketplace de agronegócio, em que os agricultores acumulam pontos resgatáveis em produtos ou serviços. As agrotechs classificadas foram inseridas na plataforma sem custo de inscrição. “Durante o período da campanha, que vai até 30 de julho, os resgates para o agricultor têm custo zero”, diz Junior. “Basta o produtor entrar na Orbia, ver o serviço que deseja e resgatar”, completa. Todos ganham nessa via de mão dupla: o agricultor tem acesso a uma série de serviços e as startups têm suas soluções expostas a mais de 140 mil produtores inscritos no marketplace. Até o momento, foram contabilizadas 9 mil visualizações e mais de 300 resgates de serviços.
Timing certo
Uma das startups que participam do Desafio Covid-19 é a Sumá. A plataforma da empresa conecta e faz a operação logística entre agricultores familiares e compradores regulares como hospitais e refeitórios de indústrias. Em 2013, os primeiros passos da startup foram na tentativa de fazer a conexão entre produtores e prefeituras. Mas a transparência da plataforma afastou a esfera municipal. Resiliente, a Sumá foi conversar com restaurantes e hotéis, que tinham interesse em comprar da agricultura familiar. Novamente, a agrotech esbarrou em um empecilho, o consumo nesses estabelecimentos não tinha um fluxo contínuo que viabilizasse a logística.
“Neste momento fizemos a pergunta: Qual é o mercado que tem volume para prover uma renda digna ao agricultor e prover uma logística viável? Então, chegamos aos hospitais e refeitórios de indústrias”,
Daiana Censi Leripio, coordenadora financeira e de operações da Sumá
A resposta para o dilema da startup veio em dezembro do ano passado. “Por acaso, acabou ficando totalmente alinhada com a questão da covid-19, porque as escolas fecharam, os hospitais aumentaram sua demanda [de alimentos] e boa parte das indústrias continuaram trabalhando com 50% da capacidade”, diz Daiana, salientando que o foco de atuação da Sumá são os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A solução foi literalmente a salvação da lavoura dos agricultores, principalmente aqueles que forneciam hortifrútis para merenda escolar e restaurantes. A Sumá ainda está em fase de crescimento, mas já movimenta 80 toneladas por mês. Os serviços da startup também têm agradado por diminuir o desperdício. “Eles têm reportado uma redução de perdas entre 15% e 20% desses produtos entregues na cozinha”, diz a coordenadora da Sumá. Isso ocorre porque o caminho acaba ficando mais curto e o alimento chega mais fresco e não passa por vários entrepostos.
Unindo as pontas
Outra agrotech com soluções endereçadas ao segmento de hortifrúti é a Nutrir, que nasceu em Botucatu (SP), berço da agricultura biodinâmica, um dos sistemas de plantio de orgânicos. Fundada por Renan Ordonhes em 2012, a empresa atua como marketplace de produtos de mesa provenientes da agricultura familiar. Como a maioria das startups, ela nasceu da constatação de um problema. “Por conta do meu trabalho na época, eu visitava produtores orgânicos e notei que eles estavam totalmente desamparados”, diz o fundador da Nutrir.
Na verdade, esses agricultores faziam bem o trabalho do lado de dentro da porteira, na lavoura, mas tinham dificuldades na comercialização. Ordonhes criou a Nutrir para unir as pontas. “Hoje temos 450 produtores cadastrados na plataforma e os conectamos aos atacadistas, que atendem as redes de varejo e as indústrias do mercado nacional e internacional.” Hoje, a agrotech atua em 11 Estados e comercializa por mês entre 150 mil e 170 mil itens. Além disso, a Nutrir ajuda o agricultor a planejar a safra, de acordo com os dados do mercado consumidor.
Múltiplas soluções tecnológicas
As soluções escolhidas pelo Desafio Covid-19 contemplam várias necessidades do agricultor. A MyFarm, por exemplo, tem um software de gestão agrícola que permite ao produtor acompanhar os estoques da fazenda e cumprir obrigações legais, como o controle de notas fiscais. A Sensix é especializada no monitoramento de plantações com o uso de satélites e drones, que dão informações sobre o desenvolvimento da lavoura, consentindo a comparação entre safras, o que auxilia o agricultor na tomada de decisão. Há ainda soluções para quem cria animais. A Smart Granja e a JetBov possuem softwares de gestão zootécnica para otimizar os resultados dos lotes e aumentar a renda dos produtores. A diferença é que a primeira é focada em aves e a segunda, em pecuária.
E os serviços não param por aí. A Bart Digital oferece soluções online para o barter, operação financeira muito comum na agricultura que consiste em pagar insumos das lavouras com a entrega do produto (soja, milho, café) no pós-colheita. A Farmbox, por sua vez, se define como uma caixa de soluções para fazenda. Ela oferece ferramentas da semeadura à colheita, ajudando o produtor a escolher o momento certo (janela ideal) do plantio e a monitorar as possíveis ameaças à lavoura (pragas, doenças, ervas daninhas, clima), bem como os estoques de produtos e a colheita.
“Os recursos tecnológicos para apoiar os agricultores são um dos caminhos que encontramos para manter a cadeia agrícola ativa e, futuramente, serão uma saída extremamente estratégica para o setor”, diz Junior, diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer Brasil.