Qualidade como diferencial

31 de outubro de 2017 11 mins. de leitura
Inicialmente, as certificações estavam voltadas a checar se as propriedades rurais respeitavam aspectos socioambientais no processo produtivo; agora elas também querem assegurar a qualidade Rainforest Alliance, Utz, GLOBALG.A.P., Ecocert, Fair Trade, PIF, Garantia de Origem – Carrefour, Qualidade desde a Origem – Pão de Açúcar são exemplos de certificações que asseguram ao consumidor que o produto […]

Inicialmente, as certificações estavam voltadas a checar se as propriedades rurais respeitavam aspectos socioambientais no processo produtivo; agora elas também querem assegurar a qualidade

Rainforest Alliance, Utz, GLOBALG.A.P., Ecocert, Fair Trade, PIF, Garantia de Origem – Carrefour, Qualidade desde a Origem – Pão de Açúcar são exemplos de certificações que asseguram ao consumidor que o produto que ele está comprando foi produzido dentro de padrões socioambientais corretos. Esses selos chancelam que a fazenda da qual aquele alimento é proveniente passou por auditorias, respeita as leis ambientais e trabalhistas do País e não se encontra em nenhuma “lista suja”. “Isso tudo começou com o café num movimento forte voltado ao público jovem e também a pessoas maduras, conscientes quanto à questão da sustentabilidade”, explica Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da Associação Brasileira deCafés Especiais (BSCA), na sigla em inglês. No Brasil, as primeiras fazendas certificadas datam de 1996. Dentre as certificações, as mais conhecidas são a Rainforest Alliance, que inicialmente tinha um viés mais voltado à preservação ambiental; a Utz, muito aceita na Europa, que tem normas que estabelecem a responsabilidade social e ambiental para a produção de café, cacau e chá; e a GLOBALG.A.P., que serve como um manual de boas práticas agrícolas para minimizar os impactos ambientais da produção de alimento e garantir a saúde e segurança do trabalhador. “As certificações ajudam a organizar as fazendas e as deixam num nível mais profissional de gestão de controles, mas têm um custo alto”, diz Edgard Bressani, sócio-diretor da Capricórnio Coffees, exportadora de cafés especiais que tem 21 fazendas parceiras e vendeu 50 mil sacas no ano passado. “Em um projeto de que cuidava, cheguei a pagar de auditoria R$ 24 mil para a Rainforest e R$ 4 mil para a Utz”, diz o executivo do ramo cafeeiro, que até pouco tempo estava à frente da Octávio Café e da empresa O’Coffee, braço do grupo Sol Panamby, que administra as fazendas de café da família de Orestes Quércia. O valor pago pela certificação depende de vários fatores. Um deles é a quantidade de empresas autorizadas a emitir o selo no País – quanto maior a concorrência, menores os gastos. Outro está relacionado ao montante de fazendas certificadas numa região pela mesma certificadora: quanto maior for o número, mais diluído fica o custo de deslocamento dos auditores. Outro aspecto fundamental é o estágio em que a propriedade se encontra. Quanto mais próxima das exigências da certificação ela estiver, menos terá que gastar para se enquadrar no padrão. De qualquer forma, esses selos costumam ser dispendiosos, o que explica por que a maioria das propriedades certificadas é de grandes fazendas. “É difícil para o pequeno produtor ter um escritório para fazer tudo que a certificação exige. Não é que ele não esteja praticando a legislação brasileira muitas vezes ele não tem gente para colocar todas essas informações no papel”, diz Bressani. Na Itaueira, agroindústria conhecida dos brasileiros por vender o melão da redinha, as exigências checadas nas auditorias demandaram organização e aportes. “Os procedimentos têm que estar definidos por escrito, e é feito um checklist para comprovar que aquilo que foi estabelecido foi de fato realizado e com qual periodicidade”, explica Adriana Prado, diretora de Marketing da Itaueira, empresa familiar com 25 mil hectares voltados à produção de melão, melancia e uva nos Estados do Ceará, Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte. “Isso exige tempo, investimentos em equipe, treinamento, análises, troca de alguns equipamentos ou insumos, mas ajuda muito na gestão do negócio, que terá padrão de qualidade e trará segurança ao consumidor”, diz Adriana. “A Rainforest, em particular, tem a característica de exigir melhorias constantes. Isso faz com que o produtor não se acomode, o que acho interessante”, acrescenta a diretora. O fato é que as certificações começaram a ganhar força no final do século passado, e, aos poucos, grandes empresas começaram a construir seus próprios esquemas de certificação. Um exemplo é a Starbucks, que tem a Coffee and Farmer Equity (CAFE) Practices, uma diretriz para compra de café denominada Práticas de Equidade na Produção de Café, que assegura que os grãos comprados pela empresa sejam oriundos de propriedades que respeitam os pilares econômico, social e ambiental da sustentabilidade. A Nespresso, marca de cafés de qualidade da Nestlé, também tem seu próprio protocolo. O programa batizado de Triple A foi lançado em 2003 em parceria com a ONG Rainforest Alliance e tem por finalidade garantir que a matéria-prima das cápsulas de café da marca venha de fazendas sustentáveis. Seguindo esses mesmos moldes, outras empresas e países lançaram seus próprios selos. O Reino Unido criou o British Retail Consortium (BRC) Standard For Food Safety, o supermercado britânico Tesco criou o Tesco Nurture (ex-Tesco Nature’s Choice) e possui auditorias credenciadas no Brasil. No mercado interno, o Carrefour lançou em 1999 o programa Garantia de Origem e fiscaliza produtores parceiros para verificar se eles estão cumprindo as boas práticas agrícolas. Em 2008, o concorrente Grupo Pão de Açúcar iniciou um projeto similar, o Qualidade desde a Origem, que, entre outras coisas, checa se as frutas, os legumes e as hortaliças respeitam os padrões de resíduos de agrotóxicos permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A INDÚSTRIA DAS CERTIFICAÇÕES

É inegável a segurança que as certificações dão ao consumidor pela questão da rastreabilidade, que conta a trajetória do alimento até chegar à mesa. No entanto, a proliferação desses selos tem um lado maléfico, que é o aumento do custo ao agricultor. Ele, muitas vezes, fornece para mais de uma empresa e precisa ter a certificação específica exigida por elas. Nesse contexto, a notícia da união da Rainforest Alliance e da Utz vem sendo bem recebida pelos produtores. O comunicado foi feito no primeiro semestre deste ano, e a previsão é de que a integração aconteça em dois anos. “Vai facilitar para os produtores e para os consumidores, porque começou a virar uma sopa de letrinhas, cuja diferença entre uma certificação e as outras passou a ser cada vez menor”, diz Vanúsia, diretora da BSCA que integra o Conselho Mundial da Utz. No caso da Itaueira, a empresa hoje tem as certificações GLOBALG.A.P. e Rainforest Alliance. No passado, a companhia também possuía os selos Leaf e Field to Fork (muito requisitados pela Inglaterra) e o de Produção Integrada de Frutas (PIF), da Embrapa. “Tivemos o PIF, quando foi lançado, mas devido à sua falta de marketing perante as empresas, faltou incentivo para mantê-lo ativo”, explica Adriana. Além da visita dos auditores das certificadoras, as fazendas da Itaueira recebem delegações de órgãos de países como EUA e Chile, que checam pessoalmente as condições de produção.

RÉGUAS DIFERENTES

As certificações têm como base as leis trabalhistas e ambientais do país vigente e também as convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No entanto, uma das críticas feitas a esses selos é o fato deles não nivelarem as exigências seguindo o exemplo do país que tem as melhores práticas. Essa discussão veio à tona com o livro Perfume do Sonho, do fotógrafo Sebastião Salgado. A obra traz fotografia as de pessoas que trabalham na colheita de café em dez países produtores. Em alguns, há fotos de mães trabalhando na colheita ou no terreiro de café com filhos de colo atados ao corpo com tecidos. Em quase todas as imagens, os trabalhadores não usam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o que é requisito básico da legislação trabalhista brasileira. “A norma da Rainforest Alliance e de outros sistemas de certificação agrícola garantem um desempenho mínimo de aspectos de saúde e segurança do trabalho. Assim, independentemente da lei, uma fazenda certificada no Brasil e no Vietnã cumprem os mesmos requisitos trabalhistas e ambientais mínimos”, diz Luís Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Imafora, um dos institutos que faz a auditoria para certificação Rainforest Alliance no Brasil. “Há uma lista de agrotóxicos proibidos, que é igual para todo mundo, independentemente da lei do país. Mas se a lei local é mais rigorosa que a norma de certificação, de fato pode exigir ainda mais”, explica o gerente. As diferentes realidades dos países produtores são algo que está sempre sendo debatido pelas certificadoras. “É uma discussão que o mundo tem hoje. As réguas são diferentes não só pelas leis, mas em função das condições de cada local. Não adianta querer exigir do interior da África e de muitos países da América Central que eles tenham o mesmo nível de exigência da legislação brasileira, ou nivelar por cima. Por outro lado, nivelar o Brasil por baixo é ir contra as leis do País”, diz Vanúsia. “O maior nível de exigência de fora é com o Brasil, sim, porque temos a melhor legislação. Eles consideram que numa economia como a nossa, por mais débil que esteja no momento, temos a obrigação de ser melhores que os outros”, explica a conselheira da Utz. “Precisamos buscar que o comprador reconheça os maiores esforços do País com melhores preços, o que não acontece”, acrescenta.   Algumas Certificações Socioambientais do Brasil
Rainforest Alliance Muito reconhecida na Europa, EUA e Japão, o selo incentiva a preservação ambiental e o desenvolvimento humano. A norma tem critérios sociais, ambientais, agronômicos e de gestão da propriedade
UTZ Programa de certificação mundial que estabelece normas para garantir a produção agrícola e o fornecimento responsável de café, cacau e chá. Muito requisitado na Europa, o selo garante a rastreabilidade do produto
FAIRTRADE Muito aceita nos EUA e Europa, a certificação prega o comércio justo e o desenvolvimento sustentável. O selo é utilizado por cooperativas de frutas com inserção internacional e estimula o contato entre produtor e comprador, eliminando os atravessadores
ECOCERT Também baseado no conceito de comércio justo, o selo incentiva a transparência entre produtores e compradores e tem como meta promover os aspectos sustentáveis da produção. Seu principal público são os pequenos produtores
  Algumas Certificações de Boas Práticas Agrícolas do Brasil
Global G.A.P Antigo Eurep G.A.P, o protocolo tem o intuito de minimizar os impactos ambientais da produção de alimentos, reduzindo o uso de agroquímicos e estabelecendo critérios responsáveis para saúde e segurança do trabalhador
PIF Produção Integrada de Frutas, a PIF, foi desenvolvida pela Embrapa e é focada nas Boas Práticas Agrícolas (BPA), na busca de redução de custos de produção e estabelecimento de uma relação de confiança por parte do consumidor
Garantia de Origem Carrefour O programa começou no Brasil em 1999 e tem por objetivo assegurar ao consumidor, que o alimento que ele está comprando é proveniente de uma produção ambientalmente correta e socialmente justa.
Qualidade desde a Origem – Grupo Pão de Açúcar O selo tem por finalidade qualificar a cadeia produtiva dos fornecedores de frutas, legumes e hortaliças do GPA. A certificação garante a rastreabilidade, consequentemente, dá segurança ao consumidor em relação ao alimento
     

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