Logística compromete a competitividade nacional

30 de novembro de 2017 10 mins. de leitura
Entre os principais produtores de grãos do mundo, o Brasil é o único com tecnologia e terras disponíveis para ampliara produção, mas esbarra nos gargalos de infraestrutura

Todo início de ano a história se repete. O começo da colheita da safra de grãos traz à tona os gargalos logísticos que se arrastam por décadas. A urgência de investimentos para o escoamento da produção brasileira ficou evidente no final de fevereiro.

Nos dias que antecederam o Carnaval, mais de 2 mil caminhões atolaram na BR-163. A rodovia liga o Mato Grosso aos portos do Pará e é de fundamental importância para desafogar os portos das regiões Sudeste e Sul e aumentar a competitividade brasileira, uma vez que encurta o caminho da soja até a China, principal destino da oleaginosa nacional.

“O problema é que os projetos não saem do papel”, diz José Hélio Fernandes, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).

Em 2012, Fernandes fez uma viagem em que saiu de Lucas do Rio Verde (MT) e foi pela BR-163 até Itaituba (PA), cidade do porto de Miritituba, às margens do rio Tapajós, que fica um pouco depois do trecho crítico (do km 537 até o km 574), onde os caminhões atolaram este ano, formando filas de 42 quilômetros nos dois sentidos.

“Eu fui conhecer o terreno em que seria construído o porto, e naquela época faltavam 200 quilômetros para terminar o asfaltamento da BR-163”, lembra o presidente da NTC&Logística. “Cinco anos depois, o porto está funcionando, e qual não foi minha surpresa quando o governo respondeu sobre aquele episódio dos caminhões, dizendo que só faltavam 200 quilômetros”, diz Fernandes.

Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), apenas 12,5% da malha rodoviária brasileira é pavimentada. Nos EUA, a porcentagem é de 85%

Com o incidente do atolamento, 7 milhões de toneladas de soja tiveram que ser escoadas via portos do Sudeste e Sul do Brasil, o que compromete a competitividade dos produtores do Centro-Oeste, região que concentra 42% da produção nacional de grãos. Só para se ter uma ideia, a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja) fez um cálculo da perda de renda da cadeia produtiva quando a soja da região é escoada via porto de Santos ou Paranaguá.

O custo dessa rota, tendo a cidade de Sorriso (MT) como ponto de partida, é de 126 dólares por tonelada de soja. O mesmo volume, quando escoado via BR-163 e porto de Miritituba/Belém, sai por 80 dólares.

A diferença é de 46 dólares. Se toda a produção do Mato Grosso (28 milhões de toneladas em 2014, ano que a Aprosoja fez o estudo) tivesse sido transportada pela rota mais econômica, isso implicaria uma economia de 1,2 bilhão de dólares aos sojicultores do Estado naquele ano.

A infraestrutura nacional não acompanha a revolução tecnológica que acontece porteira adentro. Prova disso são os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontam que o País deve fechar o ano com uma safra recorde de 240 milhões de toneladas de grãos, 30% maior que o ciclo anterior.

“O Brasil há 50 anos era importador de comida, saímos de uma posição medíocre para ser o segundo maior exportador do agronegócio mundial”, diz Luiz Antônio Fayet, consultor de logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Com o aumento da população mundial, cresceu a demanda por alimento e a produção de grãos no Brasil, outrora concentrada no Sul e Sudeste, começou a se expandir para o Centro-Oeste e Mapitoba, acrônimo de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. No  entanto, essas novas regiões carecem de investimento em logística.

Não por acaso, as entidades representativas do agronegócio brasileiro vêm pleiteando que se priorize o Arco Norte, nome dado pela Câmara de Logística do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a região acima do paralelo 16, que passa por Cuiabá (MT), Brasília (DF) e Ilhéus (BA). Todos os portos acima dessa linha são definidos como portos do Arco Norte e contemplam as novas fronteiras agrícolas.

“Como não há infraestrutura, estamos trazendo a produção do Mato Grosso para sair por Santos e Paranaguá em grande escala”, diz Fayet. “A soja tem um valor de referência nas mãos dos chineses, que é de 450 dólares por tonelada. Mas você tira entre 25 e 30 dólares da logística externa, do porto brasileiro até a China, mais 126 dólares do deslocamento interno até Paranaguá; o custo da logística total é 1/3 do valor da soja”, diz o consultor.

Esse valor é entre 3 e 4 vezes maior que os dos concorrentes EUA e Argentina. “Com isso, as novas fronteiras brasileiras estão deixando de produzir a cada ano um adicional de quase 5 milhões de toneladas de soja e milho”, diz o consultor da CNA.

“Existe muita quebra de caminhão, perda de grãos no meio do caminho. O custo logístico acaba ficando alto porque não é uma commodity de muito valor agregado”, diz Osmar Hirashiki

A falta de uma boa gestão é a raiz dos problemas. Todo ano, o governo anuncia investimentos na infraestrutura de transporte. Mas, no final de cada ano, há uma diferença significativa entre o total de recursos anunciado e o valor que, de fato, foi investido.

“A conclusão da BR-163 era para ter acontecido há 8 anos, mas o governo é uma baderna”, diz Fayet. Na ocasião dos atoleiros, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) disse que a meta era asfaltar 60 quilômetros da rodovia este ano e concluí-la no ano que vem. Mas, segundo a assessoria de imprensa do órgão, apenas 10 quilômetros foram asfaltados.

Promessa: Meta do DNIT era asfaltar 60 quilômetros da BR-163 este ano, mas apenas 10 quilômetros foram asfaltados

Obras estratégicas

No momento, o Mapa está finalizando um programa de investimentos logísticos prioritários, que reúne 30 obras com potencial de destravar o escoamento da safra brasileira de grãos. O plano está sendo construído com o Ministério do Transporte e deve ser apresentado ao presidente Michel Temer até o final deste ano.

A escolha dos projetos foi realizada com base num estudo encomendado pelo Mapa à Embrapa Monitoramento por Satélite. O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da unidade fez um levantamento do trajeto percorrido, da área de produção de grãos até a de exportação, na safra 2014/2015. A partir desses dados, foi desenvolvido o Sistema de Inteligência Territorial Estratégica (Site), que oferece uma visão dinâmica da macrologística agropecuária.

A lista de obras prioritárias foi feita com projeções do Mapa para 2025, que indicam exportações de milho e soja de 182 milhões de toneladas. “Caso essa projeção se concretize e os portos do sistema Arco Norte não tenham novos investimentos além dos programados, haverá um déficit operacional de 6 milhões de toneladas, mesmo atuando com 100% da capacidade projetada”, explica Gustavo Spadotti, analista do Gite da Embrapa.

Não por acaso, o chamado Arco Norte é o número 1 da lista dos projetos. A ampliação da participação dos portos de Itacoatiara (AM), Santarém (PA), Barcarena/Vila do Conde (PA) e Itaqui (MA) é fundamental para reduzir o custo do frete e aumentar a rentabilidade do produtor.

De acordo com o levantamento da Embrapa, na safra 2014/2015, das 85 milhões de toneladas de grãos exportadas, 81,5% escoaram via portos do Sudeste e sul, apenas 18,5% seguiram via Arco Norte. No entanto, para atender às projeções do setor para 2025, os portos do Arco Norte precisam alcançar participação de 40%.

Para isso serão necessários investimentos em obras consideradas prioritárias. Segundo a Embrapa, elas contemplam os três modais logísticos da região e incluem duplicação, asfaltamento e melhorias na sinalização das pistas, vias de contorno de cidades e acessos aos terminais portuários ou intermodais de quatro rodovias federais e de uma rodovia estadual (BR-163, BR-080, BR-364, BR-242 e MT-319).

No corredor da BR-163, é urgente o término da pavimentação da rodovia, além de dragagem e sinalização do rio Tapajós. No corredor da BR-364, duplicação da rodovia que liga Mato Grosso a Porto Velho (RO) e dragagem do rio Madeira.

Só para se ter uma ideia, de acordo com dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), apenas 12,5% da malha rodoviária brasileira é pavimentada. Nos EUA, a porcentagem é de 85%. “As rodovias são precárias para os volumes de vazão. Ainda temos estradas de chão fazendo grandes ligações com alto fluxo”, diz Roberto Leoncini, vice-presidente de Marketing & Vendas Caminhões e Ônibus da Mercedes-Benz do Brasil.

“Existe muita quebra de caminhão, muita perda de grãos no meio do caminho. O custo logístico acaba ficando alto, porque não é uma commodity de muito valor agregado”, diz Osmar Hirashiki, diretor de vendas da IVECO, marca de caminhão do grupo CNH Industrial.

Década perdida

Na parte ferroviária também não houve evolução nos últimos 10 anos. Embora dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apontem que o transporte de carga por trilhos saltou de 389 mil toneladas (em 2006) para 503 mil (em 2016), se for descontado o minério de ferro dessa conta, os números são outros: 107 mil toneladas (em 2006) para 106 mil toneladas no ano passado. E ainda há um agravante.

“Da malha da rede ferroviária federal, devemos ter 40% em operação. O resto foi abandonado, e as empresas não dão satisfação”, diz Fayet. O consultor ainda defende um novo modelo ferroviário, com direito de passagem, nos moldes da Europa, EUA, Canadá e Austrália.

“O concessionário seria o gestor da linha, forneceria a locomotiva; e o transportador pagaria um pedágio e passaria”, explica. As entidades do agronegócio também pleiteiam a construção de uma nova ferrovia, a FerroGrão. Seria uma linha paralela à BR-163 para ajudar no escoamento dos grãos do Centro-Oeste até a hidrovia do rio Tapajós e, de lá, o milho ou soja seguiriam por barcaças até os portos de Belém (PA).

No âmbito dos portos, um dos problemas é a falta de definição do que é área pública e área privada. Para resolver essa questão, foi feita a revisão das poligonais (lei 12.815/2013) para dar segurança jurídica para iniciativa privada investir em terminais portuários.

Essa lei foi regulamentada pelo decreto 8.033. “O decreto e a lei puxaram tudo para as mãos do governo federal. Virou um grande balcão de negócios. Tudo se resolve em Brasília, diferentemente do que acontecia quando as coisas se resolviam nos portos públicos”, diz o consultor da CNA, que defende a descentralização e o fim das prorrogações dos contratos de concessão dos portos. A reivindicação é que tudo seja relicitado.

O Brasil é o único dentre os maiores produtores de grãos (EUA, Brasil e Argentina, nesta ordem) que tem terras para expandir as lavouras e suprir a demanda futura, sobretudo dos países emergentes. Mas o País precisa resolver de vez os gargalos logísticos. Não adianta ter área disponível e tecnologia de produção se faltam estradas, ferroviais, hidrovias e portos para escoar a safra de grãos.

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