Conjuntura não indica alta de preços na soja

27 de março de 2019 8 mins. de leitura
Brasil deve colher uma safra de 116,4 milhões de toneladas, segundo a Agroconsult, mas a redução da demanda chinesa, aliada ao aumento dos estoques internacionais, não aponta tendência de aumento no valor da commodity

Em novembro do ano passado, tudo indicava que a atual safra de soja, commodity que é o carro-chefe da balança comercial do agronegócio brasileiro, tinha grande chance de ser a melhor da história, superando o recorde de 119 milhões de toneladas da colheita anterior. O clima bom favoreceu o plantio, que foi rápido e na chamada janela ideal, período mais propício para a semeadura. Na época, a Agroconsult falava em 125 milhões de toneladas de grãos. Mas os veranicos – estiagens acompanhadas de calor intenso – registrados em dezembro e janeiro afetaram o prognóstico. “Vamos ter uma quebrade safra em relação ao ciclo anterior, mas não será severa”, diz Marcos Rubin, sócio da Agroconsult.

A consultoria está em campo com a 16ª edição do Rally da Safra – expedição técnica que percorre as principais regiões produtoras do Brasil – e, até o fechamento desta reportagem, sustentava que a atual safra de soja seria de 116,4 milhões de toneladas. A previsão supera o sexto levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgado dia 11 deste mês, que reduziu a estimativa da safra da oleaginosa para 113,4 milhões de toneladas. “Nós trabalhamos com uma expectativa de área plantada de 36 milhões de hectares, 500 mil hectares a mais que a Conab. Parte da diferença vem daí”, diz o analista Valmir Assarice, coordenador do Rally da Safra. O número da Agroconsult é muito próximo da última estatística divulgada pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que apontou uma produção de 116,9 milhões de toneladas.

Segundo Assarice, a palavra que define a safra de 2019 é irregularidade. “Há produtores que produziram muito bem e outros, muito mal. Na média, é uma boa safra. Mas quem foi mal vai ‘penar’ para pagar as contas”, diz. O fato é que os resultados estão muito pulverizados. “Há diferenças gritantes de produtividade entre fazendas vizinhas de cerca. Em uma choveu e a produção está ótima, na outra não choveu e haverá queda”, explica.

A fazenda 3 Marco, da família do agrônomo Marco André Ortega Garcia, foi uma das afetadas pelo veranico. Produtor em Campo Alegre, região sul de Goiás, ele com os irmãos e a mãe plantam 1.500 hectares de soja, sendo 1.300 hectares de sequeiro. Até novembro, a propriedade registrou bons índices pluviométricos. Em dezembro choveu pouco, mas não faltou. No entanto, a partir de 31 de dezembro não choveu mais, e as temperaturas foram altíssimas, com dias em que o termômetro marcou quase 36˚ C. “Assumi a fazenda em 1999 e o máximo que tínhamos ficado sem chuva havia sido 19 dias. Agora, ficamos 32 dias”, diz Garcia.

A seca vai prejudicar os resultados do produtor, que há cinco anos não tinha talhão de soja abaixo de 60 sacas por hectare. “Este ano, a produtividade da soja sequeiro ficou em 50 sacas por hectare, contra 68 da safra anterior”, explica. Nos cálculos de Garcia, a família não terá lucro este ano. “Eu comprei o adubo em agosto com o dólar a 4 reais. Este fator e a alta dos combustíveis impactaram o meu custo de produção, que aumentou 15%”, diz o produtor.

Além disso, no segundo semestre do ano passado – devido à demanda da China –, a soja no mercado físico estava com melhor preço que no mercado futuro, e Garcia travou apenas 12% da venda futura da safra atual. E no momento em que pensou em fazer mais contratos futuros esbarrou na negativa das tradings, em função da incerteza sobre a constitucionalidade da lei que estabeleceu os preços mínimos do frete rodoviário (ainda em vigor), que dificultou a precificação da soja no mercado futuro.

TECNOLOGIA E CONTROLE

A constatação do Rally da Safra é que aquele produtor mais tecnificado, que investe na escolha de uma boa semente, de insumos, que cuida do solo e faz um bom manejo agrícola, está conseguindo manter a produtividade, mesmo em situações adversas. É o caso do agrônomo Júlio Cesar Pereira Júnior, da Fazenda Pombo, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A região do agricultor teve grandes perdas na soja precoce, mas o produtor optou por variedades de ciclo médio (110 dias) e obteve uma boa colheita nos 3.200 hectares destinados à cultura. “Minha produtividade média foi de 68 sacas por hectare contra 73 sacas do ano passado”, diz. O resultado é bem acima do projetado pela Agroconsult para o estado, que é de 53 sacas por hectare.

Outro aspecto essencial para a saúde financeira das propriedades rurais é uma boa gestão. “Se o produtor tem um bom controle de custos, um gerenciamento, ele reage mais rápido às oscilações de preços”, diz Assarice. “Nós sempre recomendamos travar pelo menos os custos”, acrescenta. No caso de Júnior, ele fez as contas e, no ano passado, optou pela venda futura de 75% da safra atual.

RAIO X DA SAFRA

O destaque da atual safra de soja deve ficar para o Mato Grosso, que é o maior produtor da oleaginosa do Brasil e deve fechar a safra com uma produção bem próxima à do ciclo anterior. Já o Paraná e Mato Grosso do Sul são os dois estados mais impactados pelos veranicos até o momento, segundo os dados de campo coletados pelo Rally da Safra. No primeiro, a soja precoce foi muito afetada na região oeste e próximo ao lago de Itaipu. Nessas localidades, a quebra pode chegar a 60% do potencial produtivo. No Mato Grosso do Sul, o sul do estado foi a área mais atingida e deve ter uma baixa, em torno de 10 sacas por hectare, na produtividade média.

Nos demais estados, as perdas foram pontuais. E no Rio Grande do Sul, que iniciou a colheita há pouco tempo, os indícios de campo apontam para uma produção muito boa. A Federação de Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul (Farsul) já fala em uma colheita de 18,5 milhões de toneladas. Se confirmada, será a segunda melhor safra da história e colocará o estado na posição de segundo maior produtor nacional, posição até então ocupada pelo Paraná.

Em termos de preço, os fundamentos não indicam uma tendência de alta na soja. No ano passado, a disputa comercial entre EUA e China levou o gigante asiático a pagar prêmios pela soja nacional, já que o Brasil era o único país que tinha disponibilidade do produto, uma vez que a safra argentina tinha quebrado por causa de problemas climáticos. Não por acaso, o Brasil registrou recorde nas exportações de soja em 2018. As remessas ao exterior somaram 83,6 milhões de toneladas, sendo que 80% deste volume teve como destino a China. Este ano, segundo dados da Abiove, a expectativa é exportar 70,1 milhões de toneladas do grão, o que deve render ao País divisas de US$ 26,6 bilhões.

Mas a conjuntura em 2019 está bem diferente. A Argentina, que no ano passado chegou a importar farelo de soja do Brasil, retomou a produção e deve colher uma boa safra, 54 milhões de toneladas de soja, segundo a Bolsa de Rosário. Os estoques mundiais da commodity também cresceram: de 20 milhões de toneladas em 2018 para 27 milhões de toneladas este ano. Além disso, há a incógnita sobre o desfecho da guerra comercial EUA x China. “O acerto entre eles vai acontecer mais dia, menos dia. Para nós, quanto mais demorar, mais doloroso vai ser, porque eles vão acumular uma nova safra e o estoques ficarão maiores”, diz Antônio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT).

Por outro lado, se EUA e China fazem as pazes, a tendência é que os preços da soja na Bolsa de Chicago subam. “Se isso acontecer, provavelmente os chineses vão oferecer menos prêmio pela nossa soja”, diz Assarice. Por enquanto, o horizonte está incerto. “Não há fundamento que mostre um cenário positivo para aumento do preço, e há toda uma especulação de quanto os EUA vão plantar de soja. Até abril, ainda dá tempo de eles mudarem a decisão [que no momento é de redução da área da oleaginosa]”, finaliza o coordenador do rally.

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