Meta da cadeia de cacau é dobrar a produção em dez anos

29 de setembro de 2017 10 mins. de leitura
Este é o desafio do setor para que o País, em cinco anos, se torne autossuficiente em amêndoas e, em uma década, tenha excedente de produção para exportar

No ano passado, a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) anunciou um plano audacioso: unir governo e toda a cadeia do cacau para dobrar a produção do fruto em dez anos. O Brasil colhe anualmente cerca de 200 mil toneladas de amêndoas e ocupa o sexto lugar no ranking dos países produtores de cacau.

O objetivo é agregar 100 mil toneladas à produção atual em cinco anos e mais 100 mil toneladas na outra meia década. Assim o País alcançará as 400 mil toneladas de amêndoas, volume que produzia nos anos 80, quando liderava o mercado mundial da commodity.

Brasil deve colher 300 mil toneladas daqui 5 anos (Getty Images)

“100 mil toneladas vão gerar 15 bilhões de reais em toda a cadeia. Um bilhão de reais de renda bruta ao produtor, dois bilhões para a indústria processadora, quatro bilhões de reais para a indústria de chocolate e mais oito bilhões de reais para varejo e distribuição”, diz Eduardo Bastos, diretor-executivo da AIPC.

Os esforços para expandir a produção têm várias razões. A primeira delas é a posição peculiar do Brasil no cenário global. “É o único País do mundo que produz cacau, processa a amêndoa, fabrica chocolate e tem mercado consumidor”, diz Bastos.

Mas desde a entrada da vassoura-de-bruxa em1989, doença fúngica que dizimou as lavouras brasileiras, as indústrias moageiras estão com capacidade ociosa e precisam importar matéria-prima para suprir o mercado nacional. “Ano passado, a indústria moeu 216 mil toneladas, sendo que 60 mil foram importadas”, acrescenta o diretor.

“A Bahia não precisa aumentar a área de cacau, basta recuperar a produtividade das que já tem”, diz Guilherme Moura

A segunda razão está relacionada ao consumo. China e Índia estão aprendendo a comer chocolate. “O consumo dos chineses é 100 gramas per capita, mas a expectativa da Organização Internacional do Cacau é que o país dobre a quantia, o que vai impor aumento de produção. A projeção de demanda para 10 anos é de 5 milhões de toneladas, mas o mundo nunca produziu mais que 4,3 milhões. Isso vai exigir 700 mil toneladas a mais e o Brasil quer participar com 200 mil”, explica o executivo da AIPC.

Além disso, consumidores de países como EUA e Europa, que têm um consumo per capita de mais de 4 quilos por ano, estão em busca de produtos mais saudáveis. Eles têm optado por chocolates com mais cacau e menos açúcar, o que contribui para o crescimento da demanda de amêndoas. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), o consumo de chocolate do brasileiro é de 2,5 quilos por ano e está atrelado ao poder de compra. A expectativa é que a demanda volte a crescer, quando o País superar a crise econômica.

RAIO X DA LAVOURA

As plantações de cacau no Brasil concentram-se na Bahia e no Pará. A AIPC está focando nesses Estados para aumentar em 100 mil toneladas de amêndoas a produção nacional nos primeiros cinco anos. A Bahia contribuirá com 50 mil toneladas; o Pará com 40 mil toneladas e os Estados de Rondônia e Espírito Santo responderão pelas outras 10 mil toneladas.

“Na Bahia, 40 mil toneladas virão da área tradicional, que é a Cabruca [região em que o cacau é plantado em clareiras abertas na Mata Altântica] e 10 mil toneladas virão do Extremo Sul do Estado, área que vem sendo comprada pelos capixabas, que plantam num modelo mais intensificado, lavouras a pleno sol com alta tecnologia e irrigação”, explica Bastos.

O Pará está bem avançado no seu plano de expansão. Isso porque o cacau está no Plano Pará 2030, um programa que tem por objetivo elevar o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da população paraense. A cadeia do cacau foi escolhida como prioritária, uma vez que o Estado conta com 30 mil pequenos produtores.

“Até o final do ano vamos mandar um projeto para o Governo do Estado solicitando recursos para aumentar a produção de sementes, por meio de uma parceria com a Ceplac [Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, órgão ligado ao Ministério da Agricultura]”, diz o executivo da AIPC.

A parte de assistência técnica ao produtor rural tem sido feita pela Ceplac e pelas ONGs The Nature Conservancy (TNC) e Solidaridad. A primeira trabalha desde 2013 no Cacau Floresta, um projeto desenvolvido por ela em parceria com a Ceplac e a Cargill. Trata-se de um modelo para expandir a produção de cacau em áreas de pastagens degradadas ou improdutivas com foco no pequeno agricultor.

O projeto Cacau Floresta começou em 2013 em São Félix do Xingu (PA), município campeão de desmatamento na Amazônia, com histórico de uso pouco sustentável do solo e muitos conflitos agrários. Na teoria, o cacau só se desenvolve bem em solos ricos e poucos manejados. “Provamos que o cacau também pode ser produzido em áreas já consolidadas pela agropecuária e até mesmo consideradas degradadas”, diz o biólogo Rodrigo Mauro Freire, vice-coordenador da estratégia de restauração da TNC Brasil. O projeto transforma áreas improdutivas e/ou pastagens degradadas em plantações de cacau no sistema agroflorestal. Além disso, ajuda os agricultores no manejo das lavouras antigas do fruto.

Cacau Floresta: Agricultores de São Félix do Xingu (PA) são beneficiados com o projeto da TNC, que recupera áreas de pastagem degradadas com o plantio de cacau no sistema agroflorestal

A TNC envia os técnicos ao campo, eles identificam os agricultores que têm interesse, fazem uma análise da qualidade da terra e um planejamento estratégico de recuperação do solo, com uso de adubo e calendário de plantio. Por ser nativo da Amazônia, o cacau tem por característica gostar do sombreamento de outras árvores.

No sistema agroflorestal, ele é plantado em conjunto com árvores nativas (Jatobá, Ipê, Seringueira, Andiroba, Açaí, Cajá e Copaíba) e culturas agrícolas (banana, mandioca, milho, feijão e abacaxi). “O cacau começa a produzir a partir do terceiro, quarto ano, mas desde o primeiro ano o produtor já vai ter uma renda com os cachos de banana, com o milho e com a mandioca”, explica Freire. “Os agricultores perceberam que não precisam esperar até o quarto ano, o sistema se paga logo no início”, acrescenta o biólogo.

Hoje, o projeto envolve 115 famílias e já saiu dos limites de São Félix do Xingu. “Começamos lá, mas estamos numa fase de expansão para um município vizinho, que se chama Tucumã, e a tendência é expandir para todo o sudeste do Pará indo até São Geraldo do Araguaia”, diz Freire.

Com o apoio da AIPC, Ceplac, Governo do Estado, prefeituras locais e fundações, o objetivo da TNC vai além. “Nossa meta até 2022, daqui cinco anos, é chegar a mil famílias no Pará e ofertar 5 mil toneladas adicionais de amêndoas de cacau a partir dessa data”, explica o vice-coordenador de restauração da TNC.

No futuro, o Cacau Floresta pode ganhar ainda mais estímulo. Existe um pleito para inserir como Reserva Legal as áreas degradadas recuperadas pelo projeto. “A gente quer que o modelo agroflorestal com cacaueiro seja formalmente considerado como estratégia de restauração da Amazônia, mas é preciso cautela”, diz Freire.

O Código Florestal Federal já prevê que áreas desmatadas ilegalmente possam ser restauradas com arranjos de espécies nativas e exóticas, desde que a quantidade da primeira seja maior que 50%. “Mas os Estados precisam detalhar dentro de seus programas de regularização ambiental, que remetem ao Código Florestal, as metodologias reconhecidas para restaurar florestas. É isso que estamos começando a discutir com o Estado do Pará”, explica o biólogo.

CAPACIDADE PRODUTIVA EM XEQUE

A Bahia deve contribuir com 50% no plano de expansão da lavoura cacaueira. O Estado é o maior produtor de cacau do Brasil, com cerca 400 mil hectares, mas a produtividade que no passado esteve perto de 50 arrobas por hectare, hoje é de 22 arrobas.

“A Bahia não precisa aumentar a área de cacau, basta recuperar a produtividade das que já tem. Com pouco investimento é possível elevar a colheita para 35 arrobas por hectare”, diz Guilherme Moura, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (FAEB). Isso porque hoje os materiais genéticos e as tecnologias de manejo disponíveis são muito superiores ao que existia na época áurea do cacau na Bahia.

No entanto, para que isso aconteça, o Estado precisa resolver algumas questões. Uma delas é a regulamentação da Cabruca, que é o sistema tradicional de cultivo de cacau da Bahia, em que os pés do fruto são plantados consorciados à Mata Atlântica.

“De tempos em tempos, você precisa tirar algumas árvores, o excesso de sombra que impede a entrada da luz e favorece a proliferação de fungos, mas isso foi inviabilizado pela legislação ambiental, que trata a Cabruca como floresta nativa”, explica Durval Libânio Netto Mello, presidente do Instituto Cabruca. A regulamentação é fundamental para definir formas de manejo e população de árvores de cacau por hectare.

2,5 quilos é o consumo per capita de chocolate no Brasil. Em países da Europa e nos EUA, o índice supera 4 quilos por habitante ano.

Outro grave problema é o endividamento do produtor rural, que inviabiliza o acesso ao crédito via sistema bancário. “É um problema crônico, mas estamos tentando atacar com o financiamento da fertilização pela estratégia de barter [pagamento pelo insumo por meio da entrega de amêndoas de cacau na pós-colheita]”, diz Moura. “Precisamos dar ao agricultor condições de produzir. Temos tecnologia, mas elas demandam capital”, explica o vice-presidente da FAEB.

No plano de expansão traçado pela AIPC, o financiamento da assistência técnica e novos plantio está alicerçado em quatro pilares: produtores, indústria processadora, indústria do chocolate e governo. Os três primeiros entrariam com um milhão de reais cada e o governo com uma contrapartida de três milhões de reais.

A indústria processadora já se comprometeu, os produtores também – via Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) da Bahia, que tem um programa chamado Pró Senar Cacau. “É um projeto de qualificação do produtor rural, que inclui treinamento de 12 meses, em que nos três primeiros meses, o agricultor recebe capacitação do Sebrae sobre empreendedorismo e plano de negócio e, nos outros nove meses, tem aulas práticas de manejo do solo, adubação”, diz Bastos.

Cada turma tem no máximo 20 alunos e o objetivo é que 1.500 produtores passem pelo programa ao longo de cinco anos. O entrave reside na indústria do chocolate e no governo. “A indústria ainda não tomou uma decisão, ela tem a visão que o problema não é dela e que pode trazer manteiga de cacau de fora”, diz Bastos. Já a contrapartida do governo seria em mudas de cacau – via Biofábrica. “Pedimos três milhões de reais em mudas para o Governo da Bahia. O custo da muda é de um real, então eles produziriam três milhões de mudas”, diz o executivo da AIPC, que se reunirá com as autoridades do Estado no próximo mês para tratar a questão.

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