Lixo que vira dinheiro

31 de julho de 2017 8 mins. de leitura
Resíduos da produção agropecuária brasileira ganham aplicações de maior valor agregado com a ajuda de instituições de pesquisa e agroindústria se antecipa em dar destinação correta às embalagens que produz
O bagaço da cana é usado como biomassa na produção de energia para usinas

Dentre muitos ataques sofridos pelo agronegócio, um deles é pelo fato de ser o maior gerador de lixo. Se­gundo o pesquisador Maurício Waldman, autor do livro Lixo: Cenários e Desafios, de 2011, a agricultura e pecuária respondem por 58% dos resíduos, que compreendem desde materiais como dejetos e ossadas até embalagens de pesticidas, fertilizantes e matéria orgânica. No entanto, a maioria dos itens enquadrados como lixo trata-se de subprodutos, que vêm ganhando cada vez mais protagonismo e finalidades de maior valor agregado, o que ajuda na questão am­biental e também na redução de custos da agroindústria. “Os resíduos do sistema de produção rural não podem ser chamados de lixo. São sobras da cultura, que são direta ou indiretamente aproveitados na lavoura ou para fins energéticos na indústria”, diz André Elia Neto, consultor de Meio Ambien­te e Recursos Hídricos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).

O bagaço da cana – fibra que sobra de­pois de espremer a planta para a produ­ção de açúcar e etanol – é um exemplo. O setor utiliza a biomassa na produção de energia para o uso nas usinas e muitas de­las já vendem a bioeletricidade excedente para a rede. A vinhaça – para cada um litro de etanol é gerado em torno de 12 litros da matéria orgânica, principal efluente da destilação do combustível, – é reutilizada como adubo na lavoura em substituição a fertilizantes minerais importados, como o cloreto de potássio. Rica em sais, ela pode vir a tornar o solo improdutivo, se mal-u­sada. “Defendemos a utilização racional. Em São Paulo, existe uma norma da Cetesb [companhia ambiental]. Outros Estados também têm suas regras, que estabele­cem a quantidade correta de aplicação nas lavouras”, explica o consultor. Mas o fato é que os resíduos são insumos de enorme valia na agropecuária. “Depois da colheita da soja, do milho, da cana, as folhas e a pa­lha que sobram trazem benefícios não só para fins de fertilidade ou energético, mas para a proteção do solo, como cobertura, evitando a erosão”, diz Elia Neto.

Na pecuária bovina não é diferente. In­clusive, há um ditado conhecido, “Do boi só não se aproveita o berro”, que reforça a tese. O animal é fonte de carne e couro – que pode ser utilizado para produção de sapatos, cintos, bolsas, estofados e tam­bém de gelatina neutra, que por sua vez é usada pela indústria farmacêutica, alimen­tícia e fotográfica. Seus cascos e chifres dão origem a pérolas artificiais e, quando moí­dos, entram na composição de pó de extin­tores. E o sebo, além de ser usado pela in­dústria química, de pneus e de cosméticos, também é matéria-prima para fabricação de biodiesel, representando cerca de 20% da produção nacional. Na agroindústria de frangos a mesma história se repete. As pe­nas são cozidas e se tornam farinha para alimentação de peixes e pássaros. Os os­sos e a carne, que porventura sobrem, são transformados em ração animal.

Enquanto o Brasil patina para implantar a Política Nacional de Resíduos Sólidos – que prevê o fim dos lixões a céu aberto, a destinação do lixo para aterros sanitários e a responsabilidade compartilhada, em que a empresa que gera o resíduo se com­promete a dar uma solução –, as agroin­dústrias de frangos e suínos se juntaram para encontrar fim correto às embalagens que produzem. “Hoje, frigoríficos calcu­lam a quantidade de resíduos que geram e recolhem determinado valor para uma grande associação, a Cempre [Compro­misso Empresarial para Reciclagem], que tem projetos para se desfazer dessas em­balagens”, diz Rui Eduardo Saldanha Var­gas, vice-presidente técnico da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que tem 145 indústrias associadas, sendo que 70% delas geram passivos para a recicla­gem. Dentro da Cempre há várias iniciati­vas para reaproveitar tudo que pode ser reutilizado, como papelão, vidro e matéria orgânica, que segue para compostagem e se torna fertilizante. “Nosso gargalo é o plástico, que tem limite para ser recicla­do e depois precisa ser destruído de outra forma”, diz Vargas. “Mas as empresas es­tão buscando alternativas para substituí -lo”, acrescenta. As indústrias destinam verba à Cempre, mas o montante varia de acordo com o porte da empresa. “As maiores fazem aplicação mensal de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões nesses projetos”, explica o vice-presidente.

No caso da indústria de agroquímicos, a preocupação com a destinação correta das embalagens vazias de seus produtos é ante­rior à Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida em 2010. O projeto piloto, que deu origem ao Instituto Nacional de Proces­samento de Embalagens (Inpev), data de 1992. “A indústria sabia que na maior parte das vezes as embalagens eram dispostas de maneira irregular no campo ou reutilizadas de forma indevida”, explica João Cesar Ran­do, diretor-presidente do órgão.

Essa iniciativa pioneira ajudou na formu­lação da lei 9.974/2000, que regulamenta a destinação final das embalagens de agrotó­xicos e prevê responsabilidade compartilha­da da cadeia. O agricultor fica encarrega­do da tríplice lavagem das embalagens, de fazer um furo ou corte para inutilizá-las e de armazená-las em local apropriado até a devolução nos pontos de recebimento. Os revendedores têm a incumbência de dispo­nibilizar os postos para o produtor entregar as embalagens, bem como indicar esses lo­cais na nota fiscal de venda da mercadoria. A indústria fica com a tarefa batizada de sistema Campo Limpo. Trata-se da logística reversa, ou seja, os caminhões que fazem a distribuição dos agroquímicos, no caminho de volta passam nas unidades de coleta e levam o material até as centrais que darão a destinação correta. “As embalagens que foram lavadas são recicladas e as que não foram são incineradas”, explica Rando. Por fim, o governo tem a atribuição de fazer o licenciamento ambiental e a fiscalização desses postos. E todos os elos, com exce­ção do produtor, têm a obrigação de pro­mover campanhas de educação e cons­cientização sobre o tema.

Unidade de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos

Em decorrência dessa nova lei, o Inpev – que hoje reúne 100% da indústria do segmento – foi criado em 2001. Por ano, o instituto coleta 45 mil toneladas de em­balagens vazias de agrotóxicos, o que re­presenta 94% do volume de embalagens primárias, aquelas que tiveram contato com o produto. No mundo, há cerca de 60 países com sistemas similares, mas o Brasil tem posição de destaque. “Nenhum outro lugar tem índices tão altos. Canada, Alemanha e França recebem 70% de suas embalagens. Japão e Austrália algo próxi­mo a 50% e os EUA, 30%”, diz o diretor -presidente do Inpev. O sistema Campo Limpo tem 420 unidades de recebimento no País e faz cerca de 5.000 recebimentos itinerantes.

AGRONEGÓCIO DO FUTURO

Há diversas instituições de pesquisa com estudos voltados a dar usos mais nobres a subprodutos de diversas cadeias produti­vas. A Embrapa Agroenergia, por exem­plo, estuda o bagaço da cana-de-açúcar. A fibra é queimada para a geração de energia e algumas empresas, como Raí­zen e Granbio, também a utilizam para produzir etanol de segunda geração. “Eu entendo a importância da queima, mas é o pior uso que podemos dar”, diz Guy de Capdeville, chefe-geral da Embrapa Agroenergia. “O bagaço é riquís­simo em açúcar e estamos explorando a possibilidade de desconstruí-lo para a sínte­se de outros produtos de maior valor agre­gado, como hidrogênio, bioquerosene para aviação e polímeros”, diz Guy de Capdevil­le, chefe-geral da Embrapa Agroenergia.

Uma outra frente de pesquisa da empre­sa estuda microalgas que agem na vinha­ça da cana, consumindo nutrientes e pro­duzindo biomassa de alga, que pode ser queimada ou convertida em outros produ­tos. Uma das vantagens é a diminuição dos sais, que podem tornar o resíduo orgânico nocivo ao solo. “Pretendemos reduzir os nutrientes da vinhaça a um nível tal, que dê para utilizar a água não só como adubação e irrigação na lavoura, mas no processo de produção dentro da usina”, diz Capdeville.

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