Lixo que vira dinheiro
Dentre muitos ataques sofridos pelo agronegócio, um deles é pelo fato de ser o maior gerador de lixo. Segundo o pesquisador Maurício Waldman, autor do livro Lixo: Cenários e Desafios, de 2011, a agricultura e pecuária respondem por 58% dos resíduos, que compreendem desde materiais como dejetos e ossadas até embalagens de pesticidas, fertilizantes e matéria orgânica. No entanto, a maioria dos itens enquadrados como lixo trata-se de subprodutos, que vêm ganhando cada vez mais protagonismo e finalidades de maior valor agregado, o que ajuda na questão ambiental e também na redução de custos da agroindústria. “Os resíduos do sistema de produção rural não podem ser chamados de lixo. São sobras da cultura, que são direta ou indiretamente aproveitados na lavoura ou para fins energéticos na indústria”, diz André Elia Neto, consultor de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
O bagaço da cana – fibra que sobra depois de espremer a planta para a produção de açúcar e etanol – é um exemplo. O setor utiliza a biomassa na produção de energia para o uso nas usinas e muitas delas já vendem a bioeletricidade excedente para a rede. A vinhaça – para cada um litro de etanol é gerado em torno de 12 litros da matéria orgânica, principal efluente da destilação do combustível, – é reutilizada como adubo na lavoura em substituição a fertilizantes minerais importados, como o cloreto de potássio. Rica em sais, ela pode vir a tornar o solo improdutivo, se mal-usada. “Defendemos a utilização racional. Em São Paulo, existe uma norma da Cetesb [companhia ambiental]. Outros Estados também têm suas regras, que estabelecem a quantidade correta de aplicação nas lavouras”, explica o consultor. Mas o fato é que os resíduos são insumos de enorme valia na agropecuária. “Depois da colheita da soja, do milho, da cana, as folhas e a palha que sobram trazem benefícios não só para fins de fertilidade ou energético, mas para a proteção do solo, como cobertura, evitando a erosão”, diz Elia Neto.
Na pecuária bovina não é diferente. Inclusive, há um ditado conhecido, “Do boi só não se aproveita o berro”, que reforça a tese. O animal é fonte de carne e couro – que pode ser utilizado para produção de sapatos, cintos, bolsas, estofados e também de gelatina neutra, que por sua vez é usada pela indústria farmacêutica, alimentícia e fotográfica. Seus cascos e chifres dão origem a pérolas artificiais e, quando moídos, entram na composição de pó de extintores. E o sebo, além de ser usado pela indústria química, de pneus e de cosméticos, também é matéria-prima para fabricação de biodiesel, representando cerca de 20% da produção nacional. Na agroindústria de frangos a mesma história se repete. As penas são cozidas e se tornam farinha para alimentação de peixes e pássaros. Os ossos e a carne, que porventura sobrem, são transformados em ração animal.
Enquanto o Brasil patina para implantar a Política Nacional de Resíduos Sólidos – que prevê o fim dos lixões a céu aberto, a destinação do lixo para aterros sanitários e a responsabilidade compartilhada, em que a empresa que gera o resíduo se compromete a dar uma solução –, as agroindústrias de frangos e suínos se juntaram para encontrar fim correto às embalagens que produzem. “Hoje, frigoríficos calculam a quantidade de resíduos que geram e recolhem determinado valor para uma grande associação, a Cempre [Compromisso Empresarial para Reciclagem], que tem projetos para se desfazer dessas embalagens”, diz Rui Eduardo Saldanha Vargas, vice-presidente técnico da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que tem 145 indústrias associadas, sendo que 70% delas geram passivos para a reciclagem. Dentro da Cempre há várias iniciativas para reaproveitar tudo que pode ser reutilizado, como papelão, vidro e matéria orgânica, que segue para compostagem e se torna fertilizante. “Nosso gargalo é o plástico, que tem limite para ser reciclado e depois precisa ser destruído de outra forma”, diz Vargas. “Mas as empresas estão buscando alternativas para substituí -lo”, acrescenta. As indústrias destinam verba à Cempre, mas o montante varia de acordo com o porte da empresa. “As maiores fazem aplicação mensal de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões nesses projetos”, explica o vice-presidente.
No caso da indústria de agroquímicos, a preocupação com a destinação correta das embalagens vazias de seus produtos é anterior à Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida em 2010. O projeto piloto, que deu origem ao Instituto Nacional de Processamento de Embalagens (Inpev), data de 1992. “A indústria sabia que na maior parte das vezes as embalagens eram dispostas de maneira irregular no campo ou reutilizadas de forma indevida”, explica João Cesar Rando, diretor-presidente do órgão.
Essa iniciativa pioneira ajudou na formulação da lei 9.974/2000, que regulamenta a destinação final das embalagens de agrotóxicos e prevê responsabilidade compartilhada da cadeia. O agricultor fica encarregado da tríplice lavagem das embalagens, de fazer um furo ou corte para inutilizá-las e de armazená-las em local apropriado até a devolução nos pontos de recebimento. Os revendedores têm a incumbência de disponibilizar os postos para o produtor entregar as embalagens, bem como indicar esses locais na nota fiscal de venda da mercadoria. A indústria fica com a tarefa batizada de sistema Campo Limpo. Trata-se da logística reversa, ou seja, os caminhões que fazem a distribuição dos agroquímicos, no caminho de volta passam nas unidades de coleta e levam o material até as centrais que darão a destinação correta. “As embalagens que foram lavadas são recicladas e as que não foram são incineradas”, explica Rando. Por fim, o governo tem a atribuição de fazer o licenciamento ambiental e a fiscalização desses postos. E todos os elos, com exceção do produtor, têm a obrigação de promover campanhas de educação e conscientização sobre o tema.
Em decorrência dessa nova lei, o Inpev – que hoje reúne 100% da indústria do segmento – foi criado em 2001. Por ano, o instituto coleta 45 mil toneladas de embalagens vazias de agrotóxicos, o que representa 94% do volume de embalagens primárias, aquelas que tiveram contato com o produto. No mundo, há cerca de 60 países com sistemas similares, mas o Brasil tem posição de destaque. “Nenhum outro lugar tem índices tão altos. Canada, Alemanha e França recebem 70% de suas embalagens. Japão e Austrália algo próximo a 50% e os EUA, 30%”, diz o diretor -presidente do Inpev. O sistema Campo Limpo tem 420 unidades de recebimento no País e faz cerca de 5.000 recebimentos itinerantes.
AGRONEGÓCIO DO FUTURO
Há diversas instituições de pesquisa com estudos voltados a dar usos mais nobres a subprodutos de diversas cadeias produtivas. A Embrapa Agroenergia, por exemplo, estuda o bagaço da cana-de-açúcar. A fibra é queimada para a geração de energia e algumas empresas, como Raízen e Granbio, também a utilizam para produzir etanol de segunda geração. “Eu entendo a importância da queima, mas é o pior uso que podemos dar”, diz Guy de Capdeville, chefe-geral da Embrapa Agroenergia. “O bagaço é riquíssimo em açúcar e estamos explorando a possibilidade de desconstruí-lo para a síntese de outros produtos de maior valor agregado, como hidrogênio, bioquerosene para aviação e polímeros”, diz Guy de Capdeville, chefe-geral da Embrapa Agroenergia.
Uma outra frente de pesquisa da empresa estuda microalgas que agem na vinhaça da cana, consumindo nutrientes e produzindo biomassa de alga, que pode ser queimada ou convertida em outros produtos. Uma das vantagens é a diminuição dos sais, que podem tornar o resíduo orgânico nocivo ao solo. “Pretendemos reduzir os nutrientes da vinhaça a um nível tal, que dê para utilizar a água não só como adubação e irrigação na lavoura, mas no processo de produção dentro da usina”, diz Capdeville.
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