Mulheres em evidência no agronegócio

27 de fevereiro de 2019 7 mins. de leitura
Cresce o número de mulheres em posição de liderança no campo, de acordo com o IBGE. A cada dia, elas ocupam mais espaço em atividades antes “predominantemente” masculinas
O número de mulheres que lideram propriedades rurais no País cresceu de 12,68% (em 2006) para 18,64% (em 2017), de acordo com os dados preliminares do Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A participação feminina é ainda maior (34,75%) quando somadas as mulheres que administram o estabelecimento agropecuário junto com o cônjuge. “O campo não está atraindo mulheres; elas já estavam lá e agora estão tomando conta do trabalho”, diz Antonio Carlos Simões Florido, coordenador técnico do Censo Agropecuário do IBGE. O novo censo agropecuário também traz à tona o problema da sucessão familiar. Os produtores estão envelhecendo, e nem sempre os herdeiros são preparados ou querem assumir o comando da empresa familiar. Foi o que aconteceu com a advogada Sarita Junqueira Rodas, 36 anos. Filha de produtor rural, ela não se via trabalhando nos negócios da família até que a morte repentina de seu pai a fez mudar de rota. O fato é que a presença feminina no campo está cada vez mais em evidência, inclusive em áreas até pouco tempo “dominadas” pelos homens. É o caso de Dalva Marques, 44 anos, a primeira e ainda única mulher a julgar campeonato de marcha de muares no Brasil. A seguir, um pouco mais da história dessas duas notáveis do agronegócio brasileiro. AS REVIRAVOLTAS DA VIDA Sarita Junqueira Rodas tinha 25 anos e três filhos quando seu pai, Fábio Rodas, faleceu em 2008. Formada em direito, na época não pensava em trabalhar com a família; seu sonho era ingressar no Ministério Público. Mas a morte precoce do patriarca aos 63 anos e da irmã mais velha, que era quem assumiria os negócios da família, a obrigou a alterar os planos. Fundado em 1968, o grupo Junqueira Rodas é hoje um dos maiores do agronegócio brasileiro, com faturamento de R$ 120 milhões e atuação na área de citricultura, cana-de-açúcar e criação de gado tabapuã. Ao todo, são 13.271 hectares divididos em propriedades em São Paulo e Mato Grosso. O carro-chefe da empresa são as lavouras de laranja, que somam mais de 2 milhões de árvores plantadas. Para comandar este império, a herdeira correu atrás de capacitação, fez vários cursos de especialização em gestão, liderança, administração e finanças. Resultado: o parque citrícola dobrou a produção sem aumentar a área. “Sarita é uma empreendedora, não fica sentada esperando que as coisas deem certo. Ela tem tudo bem gerido, redondinho do ponto de vista de tecnologia, controle de custos, tudo como manda o manual do bom gestor”, diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus Br). Uma das maiores dificuldades foi vencer o descrédito. Há 11 anos, não era comum uma mulher assumir posição de liderança no agronegócio. A CEO do grupo Junqueira Rodas teve que aprender a lidar com os olhares de desconfiança e conquistar espaço, centímetro a centímetro. A falta de credibilidade ainda hoje tem apoio numérico. Apenas um terço das empresas familiares sobrevivem à segunda geração sem planejamento sucessório. Sarita está dentro da parcela bem-sucedida e alcançou uma posição de destaque no setor. Ela foi a primeira mulher eleita para fazer parte do conselho deliberativo do Fundo de Defesa de Citricultura (Fundecitrus) e também é a primeira e ainda única mulher a integrar o conselho de administração do Montecitrus, importante grupo de produção e comercialização de laranja do estado de São Paulo. As dores vividas por Sarita a motivaram a criar a Prossiga, uma consultoria especializada em planejamento sucessório de empresas familiares. “Com a experiência que tive, decidi que poderia ajudar outras famílias a não passar pelas dificuldades que a nossa enfrentou”, diz. A CEO do grupo Junqueira Rodas hoje dá palestras por todo o Brasil compartilhando sua vivência e ajudando outras famílias na transição da gestão dos negócios para a próxima geração. “Sejam sucessores, não herdeiros. Um plano bem definido, com funções delimitadas e objetivo traçado, é fundamental para uma transição bem-sucedida, que garanta bons resultados e a perenidade da empresa.” RAINHA DOS MUARES Filha de peão de rodeio, domador e ferrador de equídeos, a paulista Dalva Marques herdou do pai, Pedro Marques, o amor por cavalos e muares. Já adulta, Dalva foi convidada pelo sobrinho, Rafael Marques, a fazer um curso de doma racional, que foi um divisor de águas na sua vida. Antes, ela seguia o modelo de seu pai, a doma campestre. Hoje, ela segue a cartilha da doma racional e da doma índia, que se baseiam no contato e na conquista da confiança do animal, e não na intimidação. “Eu sempre comparo com a relação do dia a dia. As pessoas têm seus limites, eu tenho o meu. Elas me respeitam, eu as respeito. Mas, quando você respeita os animais em primeiro lugar, você consegue tudo”, diz. A paixão de Dalva ganhou força quando se casou com Silvio Parizi, que se tornou um parceiro de vida e de empreendedorismo. Juntos começaram a construir o Rancho Bigorna, um centro de treinamento localizado em São Sebastião da Grama, interior de São Paulo. Na época, Dalva já domava e treinava os próprios cavalos da raça mangalarga para apresentá-los em campeonatos, e começou a chamar a atenção de criadores e artistas, que passaram a deixar seus animais alojados no rancho para ela domar, treinar e apresentar. Os prêmios não demoraram a vir. Os mais recentes foram a Copa Mangalarga de Marchas de São Paulo (SP) em 2015, em que a égua apresentada por Dalva foi a campeã, e a Exposição Nacional do Cavalo Mangalarga de 2016, na qual ela apresentou o cavalo Carpe Diem do Infinito, que foi o grande campeão na pelagem. Foi a primeira vez que uma mulher conquistou o título. Dalva é pioneira em várias frentes. A de maior destaque é nos muares: ela é a primeira e ainda única mulher a julgar competição de marchas neste segmento. Foi juíza por três anos consecutivos do Muar do Sertão, em Barretos. Seu ingresso neste universo começou em 2010, apresentando burros e mulas em campeonatos. No mesmo ano, ela começou estágios para fazer julgamentos e hoje doma, treina, ora apresenta, ora julga os animais. A dedicação rendeu frutos e convites para julgar concursos de muares por todo o Brasil. No entanto, no início Dalva teve que driblar preconceitos. “Eu várias vezes ouvi: ‘Como assim? Mulher julgando e montando muares?”, relembra. Natural de São João da Boa Vista (SP), ela nunca se intimidou, e assim conquistou reconhecimento por causa do profissionalismo e da maneira gentil de tratar os animais. “Sempre acontece de alguém me olhar de modo estranho, mas, depois que confere meu trabalho, entra na pista e diz: ‘Poxa, nunca vi mulher fazendo isso. Parabéns!’”, conta. Para Marcelo Pardini, leiloeiro rural, Dalva é uma precursora como mulher tanto no treinamento e preparação de equídeos quanto no julgamento de Copas de Marchas. “Ainda hoje é um mercado bem masculino, mas ela vem rompendo barreiras. No último mês, ela julgou Iporá (GO), que é um dos maiores encontros do mundo de muares, e foi superelogiada”, diz. Além de juíza, treinadora, criadora e comerciante de cavalos e muares, atualmente Dalva ministra workshops de equitação e criou uma marca de roupas e acessórios chamada Mulher Muladeira. Recentemente, ela e o marido compraram uma van Sprinter para ser a loja itinerante dos produtos nos eventos de que participam e, em breve, lançarão uma loja virtual.

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