“Não há veneno nem no prato nem no copo do brasileiro”

28 de agosto de 2019 11 mins. de leitura
Essa é a resposta da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, aos frequentes questionamentos a respeito do alto nível de agrotóxicos nos alimentos
“Nossos alimentos são seguros”, diz Tereza Cristina, ministra da Agricultura (Foto: Noaldo Santos/Mapa)

A engenheira agrônoma Tereza Cristina, à frente do Ministério da Agricultura, considera um desserviço a campanha massiva de alguns brasileiros para lançar dúvida sobre a qualidade do que é produzido no país. “Existem controles constantes de resíduos que mostram que nossos alimentos são seguros”, diz. “A relação risco-benefício é muito baixa e ninguém deve deixar de consumir qualquer alimento porque ele foi tratado com defensivos agrícolas”, acrescenta, frisando que o Brasil exporta para 162 países e segue protocolos internacionais tanto para análise dos produtos para consumo interno, quanto para os que são exportados. Abaixo, a íntegra da entrevista concedida ao Caderno Agro.

 Qual é a explicação para o volume agrotóxicos aprovados este ano?

Nos últimos dois anos, foram implementadas medidas para desburocratizar o processo e fazer a fila andar mais rápido. Tanto no Ministério da Agricultura, como no Ibama, e principalmente na Anvisa. Os setores responsáveis foram reorganizados e tiveram servidores realocados. É preciso lembrar que, quando registramos produtos novos, estamos trazendo para o mercado fórmulas obrigatoriamente menos tóxicas, mais modernas e ambientalmente mais seguras, pois a legislação brasileira não permite que se registre produtos de maior toxicidade do que os já existentes. Além disso, há os produtos genéricos, que são a maioria dos registros aprovados. Essa aprovação de produtos equivalentes é mais simples do que a aprovação de uma nova molécula, pois as novas moléculas demandam longo tempo de pesquisa.Com a quebra de patentes, possibilitamos a entrada de produtos mais baratos, reduzindo o custo de produção. Causa-me espanto que não se questione o fato de até muito recentemente ter-se mantido a fila imóvel, permitindo os lucros do monopólio e do oligopólio com a venda de agroquímicos ultrapassados, com patentes vencidas. Se os funcionários públicos não aprovarem os genéricos, como determina a lei, estão sujeitos a sanções administrativas, pois não estarão cumprindo a legislação.

Houve alguma mudança no processo de avaliação no governo Bolsonaro?

Não, as mudanças vêm acontecendo desde 2017. Nenhum dos registros liberados neste ano tramitou só em 2019, portanto, não podem ter sido aprovados em seis meses de governo Bolsonaro. Há todo um processo anterior que não pode ser ignorado: os pedidos aguardam na fila, em média, quatro anos. Alguns estão há uma década, apesar de a lei determinar prazo de 120 dias para resposta. Centenas de empresas conseguiram na Justiça liminar para terem prioridade de atendimento nessa fila, que ainda tem hoje mais de 2 mil pedidos. Portanto, não corremos para bater nenhum recorde; a nossa média mensal de concessão de registro é muito semelhante à dos dois últimos anos, quando a Anvisa, sobretudo, passou a dar mais atenção aos defensivos.

Muitas matérias trazem a informação de que os novos agrotóxicos aprovados têm um alto nível de toxicidade…

Destaco novamente que nenhum registro novo pode ser concedido a um produto que seja mais tóxico do que o já existente no mercado. Dos 262 produtos registrados este ano, apenas sete são novos e correspondem a dois novos ingredientes ativos (sulfoxaflor e florpirauxifen-benzil). Os outros são classificados como equivalentes, ou genéricos, ou seja, ingredientes ativos que já estavam no mercado, mas que tiveram a patente expirada e agora podem ser produzidos por outras empresas.O Sulfoxaflor é registrado em 82 países, incluindo os Estados Unidos e, do ponto de vista da saúde humana, está entre os inseticidas 20% menos tóxicos hoje aprovados. O uso desse defensivo deverá seguir as orientações estabelecidas pelo Ibama para minimizar o risco para as abelhas, como a restrição de aplicação em períodos de floração das culturas, o estabelecimento de dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação. Já o herbicida à base do ingrediente ativo florpirauxifen-benzil, que é usado para o controle de plantas daninhas na cultura do arroz, ganhou o prêmio de química verde em 2018. É uma nova alternativa altamente eficiente para plantas daninhas de difícil controle e de menor toxicidade do que os disponíveis hoje no mercado. Então, é um grande erro alarmar a população pelo simples fato de mais registros estarem sendo concedidos. Infelizmente, inúmeras matérias foram publicadas com este enfoque, sem que fosse detectada qualquer irregularidade na qualidade dos alimentos que abastecem o Brasil e os 162 países importadores


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O Brasil tem agrotóxicos que já foram banidos em outros países? Em caso positivo, por que o país continua usando estes princípios ativos?

Não temos esse levantamento, porque dependeria de ter acesso a todo o sistema de classificação dos países da Europa, que têm dinâmica diferente da nossa. De qualquer forma, não consideramos correto comparar os produtos usados em países que têm culturas, solos, pragas, número de safras anuais e clima diferentes. Simplificar uma questão tão técnica e complexa como esta pode levar a uma distorção de informações, induzindo as pessoas comuns a pensarem que nossa agricultura é “pior” do que a de outros países.  Muitas vezes, um defensivo não é usado porque é dispensável para aquele país. Por exemplo, a cultura da soja é residual na Europa, então herbicidas para essa cultura não serão encontrados lá em grande variedade; enquanto o mesmo acontece no Brasil com o trigo. A realidade mostra que nem sempre o que é bom para a Europa serve para o Brasil e vice-versa. Assim como há defensivos que não são usados na Europa e são usados no Brasil, o contrário também é verdade. Há produtos que são permitidos na União Europeia e são proibidos no Brasil. Em Portugal, há 23 agrotóxicos registrados para olivocultura; no Brasil somente 3 são permitidos. Alguns princípios ativos, que foram proibidos na Europa e que estão em uso no Brasil, também estão em uso em países como Austrália, EUA, Argentina, Canadá e Japão. O que podemos afirmar é que a imensa maioria dos defensivos usados no Brasil é igualmente usada nos Estados Unidos, na China e também na Europa. E que seguimos todas as normas, estudos e referências internacionais. Não estamos burlando nenhum sistema e nem utilizando nada que não possa ser utilizado, segundo as prescrições e cuidados para utilização.

O alimento que o brasileiro come é seguro?

Com certeza. Existem controles constantes de resíduos que mostram que nossos alimentos são seguros. Não há veneno nem no prato nem no copo dos brasileiros. O nosso alimento é absolutamente seguro, a relação risco-benefício é muito baixa e ninguém deve deixar de consumir qualquer alimento porque ele foi tratado com defensivos agrícolas.

Existe diferença entre os alimentos que são produzidos para exportação e os que ficam no mercado doméstico?

Dificilmente um produtor consegue ter dois sistemas de produção, então ele se adequa para atender a todos os mercados, interno e externo. Os produtores que exportam devem sempre estar atentos às regras dos produtos a serem exportados. E, internamente, também existe o monitoramento constante dos resíduos, feito tanto pelo Ministério da Agricultura como pela Anvisa. O Brasil exporta seus produtos agrícolas para 162 países e atende a todos os critérios de qualidade estabelecidos pelos importadores. Existe todo um trabalho de controle feito pelo setor privado e um trabalho de verificação muito bem feito que é exercido pelo governo no sentido de atender a essas legislações internacionais e também atender a determinadas exigências de alguns países importadores que, às vezes, estabelecem limites mais restritivos que as legislações internacionais. O Brasil segue todas as determinações do Codex Alimentarius [um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece normas internacionais na área de alimentos] relacionadas a resíduos nos alimentos, além de exigências especiais de nossos clientes importadores, que muitas vezes são mais rigorosas que as do Codex. O nosso país já cumpre essas exigências de uma maneira muito profissional e dando a segurança necessária para os consumidores.

O Brasil conseguiria manter o volume de produção de alimentos sem o uso desses agroquímicos?

Não se pode falar hoje em agricultura em larga escala sem o uso de defensivos. Sem eles, o preço dos alimentos subiria muito, devido à baixa produtividade. Algumas lavouras produziriam menos de um terço da safra convencional e as perdas poderiam chegar a 40%, encarecendo os preços e diminuindo o acesso das pessoas aos alimentos.

O pessoal do agro diz que o projeto de lei 6.299/02 é para “modernizar” a legislação dos agrotóxicos. Os críticos a chamam de “PL do veneno” e argumentam que irá “flexibilizar”. O que a sra. diz?

Esta é uma questão que está sendo debatida no âmbito do Congresso Nacional. Mas posso comentar que a nossa legislação atual sobre o tema é extremamente burocrática e ultrapassada, o que impede que novas empresas e que novas tecnologias, inclusive como alternativa aos químicos, entrem no mercado. Atualmente uma nova tecnologia, que pela lei, deve ter menos toxidade que as tecnologias disponíveis, demoram até 10 anos para serem aprovadas. Precisamos de marcos legais objetivos, que tirem o poder discricionário e traga segurança jurídica, previsibilidade e transparência no processo.

O corpo científico está dividido. Há pesquisadores, que dizem que não há dose segura para os agrotóxicos mais usados no país. Outros argumentam que, se usados corretamente, os produtos apresentam “riscos aceitáveis”. Qual é sua opinião?

Risco zero não existe para nada na vida. O risco do uso de defensivos agrícolas é mínimo e é um risco calculado. Todos os países do mundo trabalham em uma mesma análise de risco e o Brasil segue protocolos internacionais tanto na análise dos produtos para consumo interno, quanto na análise dos produtos que são vendidos para fora. Se não fosse assim, o Brasil não estaria inserido no mercado global e não seria o maior exportador de soja, açúcar, etc.

Gostaria de acrescentar algo mais?

Considero um desserviço ao país, uma ação lesa-pátria a campanha massiva de desinformação que alguns brasileiros de renome, inclusive com função pública, têm feito na internet contra a qualidade dos nossos alimentos. Quero dizer a eles que nossos concorrentes agradecem! Os nossos rivais no comércio exterior estão hoje desesperados para conter a força da nossa agricultura tropical, que produz com tecnologia desenvolvida aqui, sobretudo pela nossa Embrapa, duas, três safras ao ano. Eles se apoiam nessa onda de falsas informações para nos desprestigiar na dura disputa comercial. Todos os dias barreiras comerciais se travestem de barreiras sanitárias para tentar nos barrar à força. E infelizmente essa tática está contando com a ajuda, muitas vezes involuntária, dos próprios brasileiros. Então eu realmente fico estarrecida ao ver que, por mera disputa política-ideológica, se chegue a esse nível de mentira, a essa lamentável conduta impatriótica, que tenta alarmar nosso povo e difamar nossos produtos de exportação. Não tivemos nenhuma crise, aqui ou lá fora, sobre resíduos; nenhuma irregularidade. Portanto, não acreditem nisso. Nossos alimentos, convencionais ou orgânicos, que nós temos incentivado muito, são seguros. E todas as pragas que vencemos – pois essa é a missão do Ministério da Agricultura, garantir a produtividade das lavouras e a qualidade do abastecimento -, vencemos com ciência, numa conjugação de agroquímicos, biodefensivos, melhoramento genético e manejo de culturas.

 

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