“Fim da lei Kandir seria um desastre para o setor cafeeiro”

8 de outubro de 2019 6 mins. de leitura
Essa é a opinião de Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé, a Cooxupé, gigante que faturou R$ 3,8 bilhões em 2018

A possibilidade de extinção da lei Kandir, que prevê a isenção de pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de produtos primários como itens agrícolas, semielaborados ou serviços, tem tirado o sono dos cafeicultores.

Este foi um dos tópicos da conversa da redação do Canal Agro com o cafeicultor Carlos Augusto Rodrigues de Melo, atualmente à frente da presidência da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé, a Cooxupé.

Maior cooperativa do segmento café no mundo, a Cooxupé tem 14.800 cooperados e faturou R$ 3,8 bilhões de reais em 2018, montante que a coloca como a oitava cooperativa do Brasil no quesito faturamento. Abaixo, os principais trechos da entrevista, que abordou a crise de preços do café, os grãos de qualidade, bem como as reivindicações do setor.


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Como a Cooxupé está lidando com a crise de preços de café?

Realmente o cenário não está bom no tocante ao mercado de café e também não está favorável à produção por questão climática. Mas vamos driblando, o café é assim mesmo, tem as oscilações de mercado. A atual realidade tem exigido do produtor um gerenciamento de custo mais profissionalizado que em momentos anteriores, já que hoje os custos para produzir uma saca de café estão em torno de R$ 400. O preço [de venda da saca de 60 quilos] está um pouco mais de R$ 400 para os cafés finos. Se colocarmos os cafés de baixa qualidade e este ano teve muita queda de grãos, o que prejudicou a qualidade, o produtor não consegue receber nem R$ 400.

Quando o sr. fala em um custo R$ 400, está falando em custo médio?

Isso, uma média. Em regiões de montanha, o custo é mais alto [por causa da colheita semimanual, com o uso das “mãozinhas”, as derriçadeiras manuais], mas regiões mecanizadas têm outros custos que impactam, por isso o custo não fica muito distante das regiões de montanha. As regiões mecanizadas geralmente têm solos menos férteis, o que exige maior atenção na questão de fertilização e cuidados fitossanitários. Acreditamos que este preço de R$ 400 é pior para montanhas, mas para outras regiões também não é satisfatório, não remunera.

Tem crescido o número de cooperados que têm conseguido entregar um café especial na cooperativa?

Os cafés especiais [para a cooperativa, são considerados grãos especiais aqueles que atingem uma pontuação mínima de 83 pontos] já são uma realidade. A cada dia, o cafeicultor busca uma melhoria na qualidade da produção. Esse mercado é mais crescente do que o dos cafés naturais. Nós temos a casa nossa de cafés especiais, a SMC [Sul de Minas, Mogiana, Cerrado Cafés), que são regiões muito propícias para café acima de 83 pontos. Essa casa tem crescido bastante, tem um mercado consolidado, direcionado, principalmente para os asiáticos.

O produtor Carlos Augusto Rodrigues de Melo está à frente da Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo

Como foi a colheita de 2019 em relação à qualidade?

Iniciamos o ano com uma expectativa boa no tocante à qualidade. Mas houve muita queda de grãos, esses cafés do chão, o chamado café de varrição, levaram a uma perda de qualidade. Se pegarmos o levantamento dos últimos três anos, 2019 foi o pior deles em termos de qualidade.

A crise está menor para o cooperado que entrega cafés acima de 83 pontos?

Não resta dúvida, se existe uma agregação de valor no produto com os custos muito parecidos, é lógico que ajuda. E você está falando com um desses produtores e isso me ajuda muito. Numa fazenda de médio e grande porte é significativo e importante demais o fator qualidade.

Quais têm sido as reinvindicações da Cooxupé diante da atual crise?

Com todas as dificuldades em relação a recursos governamentais, a cooperativa participa nesta área junto com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Conselho Nacional do Café (CNC), com pleitos como o de um Pepro [Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural]* invertido para somar um pouquinho, e a saca de café [arábica] chegar perto de R$ 500. Tem programa de opções públicas que também é interessante, mas o governo tem que disponibilizar um recurso temporariamente para comprar um pouco de café e depois disponibilizar este café ao mercado.


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E o que o sr. acha da possibilidade da extinção da lei Kandir?

Seria um desastre, se acontecesse. Nos perderíamos o market share em relação aos outros países. Estamos com receio e trabalhando para que a lei Kandir não se extinga. Hoje, essa possibilidade é uma pedra no sapato do cafeicultor

Qual é sua perspectiva sobre o mercado de café?

Sou otimista com o mercado de café, visto que a safra que o Brasil está ofertando não cobre nossas demandas. Esperava-se uma safra de café recorde e não vai ser por causa do clima que tivemos em 2019. E, pelas perspectivas e expectativas dos nossos fisiologistas, técnicos, climatologistas, o clima não está tão propenso para café. Enfim, está consolidada uma quebra da safra este ano, e acreditamos que a safra futura, apesar de ser ano de safra cheia por causa da bienalidade do café, não será como a safra 2018 [que contabilizou 61,7 milhões de sacas: 47,5 milhões de sacas de café arábica e 14,2 milhões de sacas de conilon]**.

*O Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro) na modalidade invertida é um pleito da bancada cafeeira para premiar os produtores com R$ 50 por saca de café arábica vendida acima de R$ 438,15, com um teto de R$ 488,15 por saca. No café conilon, seriam beneficiadas com R$ 50 as sacas vendidas acima de R$ 298, com um teto de R$ 348.

**De acordo com o último levantamento da safra de café da Companhia Nacional de Abastecimento, a atual safra de café arábica deve ser de 34,4 milhões de sacas, uma redução de 27,4% em relação ao ciclo anterior. Já a safra de café conilon deve chegar a 14,5 milhões de sacas, um aumento de 2,5%.

Por Lívia Andrade

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